Filme: Elysium
Já houve tempo em que o futuro visto pelo cinema colocava a humanidade num patamar avançado da evolução. Parece que o otimismo está se esgotando, após sucessivas crises nos mais diferentes campos. Em lugar da esperança, roteiristas e diretores têm pintado cenários com fortes cores de cinismo e decepção, onde o desconforto do amanhã – individual ou coletivo – reflete nossos atuais dilemas políticos, econômicos, sociais e morais. A ficção científica Elysium traz um desses futuros imaginados que mostra o beco sem saída no qual o homem se meteu, onde a iniquidade no acesso à assistência em saúde prova que nem todos são iguais diante da lei.
//Paulo Henrique de Souza
A história de Elysium se passa em 2154, mas quem mora na periferia de uma grande metrópole pode até encontrar semelhanças com sua realidade. A distopia criada pelo sul-africano Neil Blomkamp, que já havia surpreendido o mundo com Distrito 9, apresenta um planeta que agoniza os efeitos da superpopulação, da agressão ao meio ambiente, do estrangulamento das cidades e do desrespeito aos direitos humanos.
No filme, quem teve condições abandonou o inferno terrestre e foi morar num satélite artificial que reproduz o mundo ideal. Aliás, Elysium – o nome dessa plataforma que paira na estratosfera – significa paraíso (em grego) e seus habitantes vivem como anjos totalmente saudáveis. Em meio a jardins e com acesso sem escala à tecnologia de ponta, eles são cidadãos, com direitos ilimitados, bem diferente da imensa maioria que ficou na Terra. E é na forma como a iniquidade é apresentada que reside o interesse desta história.
Um dos trunfos de Elysium é oferecer aos seus moradores acesso à equipamentos capazes de curar o câncer ou eliminar os efeitos de uma paralisia congênita. E é para usar minutos dessa tecnologia que muitos doentes deixados para trás pagam tudo o que têm para serem contrabandeados para dentro da estação. Mas no futuro desigual, ser flagrado tentando burlar o sistema pode significar ser abatido sem piedade.
Max Da Costa (Matt Damon) é o elemento que trará desequilíbrio à ordem mantida à força por Jessica Delacourt (Jodie Foster). Correndo contra o relógio para tentar curar os efeitos de uma exposição letal à radiação, ele encontra aliados em dois personagens interpretados por brasileiros: Frey (Alice Braga) e Spider (Wagner Moura). Sua meta é uma rápida sessão numa das máquinas médicas (chamadas de Med-Bays), o que reverterá sua sentença de morte.
É bom lembrar que falamos de um típico produto de Hollywood, com direito a explosões, correrias e até um exoesqueleto que faz o herói ter ares de robocop. No entanto, a teia armada não impede ver em Elysium uma metáfora sobre a desigualdade. Afinal, se todos são cidadãos por que uns têm mais direitos que outros?
A UTOPIA DA IGUALDADE
Um dos que ajuda a dar a resposta é George Orwell. Na metáfora que propõe em A Revolução dos Bichos (1945), um dos textos mais ácidos sobre as origens do totalitarismo, uma fazenda é tomada de assalto pelos seus animais, descontentes com o tratamento “desumano” dado pelos donos. Contudo, após o clima de igualdade absoluta do início, as regras vão se impondo na mesma medida que novas castas se instalam. “Todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais que os outros”, anuncia um dos mandamentos subvertidos para manter a ordem.
De relance pode até parecer que Elysium não tem nada a ver com o Brasil. Mas basta um mergulho nas urgências e emergências para constatar que a distopia tem endereço. O relatório da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, que em 2013, vistoriou alguns dos principais hospitais de portas abertas do país testemunha essa sinistra proximidade entre o fato e a ficção.
Não existem Med-Bays à disposição dos pacientes brasileiros. Afinal, elas materializam um sonho tecnológico ainda distante. Só que nem mesmo prosaicos leitos existem em quantidade suficiente para receber aqueles que precisam de cuidados. De acordo com levantamento do Conselho Federal de Medicina (CFM) de 2018, menos de 10% dos municípios brasileiros possuem leito de UTI. Ao todo, o Brasil possui quase 45 mil leitos de UTI, segundo informações do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde. Pouco menos da metade (49%) está disponível para o SUS e a outra parte é reservada exclusivamente à saúde privada ou suplementar (planos de saúde), que hoje atende a 23% da população
O que une Elysium e o Brasil são os ecos da desigualdade na assistência. Se o Movimento da Reforma Sanitária ajudou a cunhar o termo equidade na Constituição de 1988 – no que se refere ao direito de todos e dever do Estado em assegurar o “acesso universal e igualitário às ações e serviços de saúde”, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie –, percebe-se que a intenção ainda insiste em se manter no campo teórico ou da previsão legal.
Para alguns pesquisadores, a equidade em saúde representa o pêndulo entre a justiça e a distribuição igualitária. “Iniquidades em saúde referem-se a diferenças desnecessárias e evitáveis e que são ao mesmo tempo consideradas injustas e indesejáveis. O termo iniquidade tem, assim, uma dimensão ética e social”, relata Margareth Whitehead, apontada como autora deste conceito.
Essa definição, que bebe na fonte da Teoria da Justiça, de John Rawls, também se relaciona ao princípio de equidade, que surgiu no período contemporâneo associado aos direitos das minorias, que muitas vezes compõem maiorias, contemplando-se a diversidade das sociedades modernas.
“Dessa forma, a ideia de equidade foi incorporada e até mesmo substituiu o conceito de igualdade. Igualdade significaria a distribuição homogênea, a cada pessoa uma mesma quantidade de bens ou serviços. Equidade, por sua vez, levaria em consideração que as pessoas são diferentes, têm necessidades diversas”, pontuou Sarah Escorel, professora da Fiocruz, em texto no qual aborda o tema.
De acordo com ela, em geral, o princípio de equi