O Cristalino Sentido da Mudez do Papagaio no Folguedo Natalino
// Péricles Brandão*
Sim, (h)ouve o papagaio guarani da boa palavra, cuja sintaxe criou Céu e Terra e cuja semântica inaugurou a teia santa que vivifica a matéria.
(H)ouve o papagaio cuja glosa era só crá, crá, crá, encarnação da gulosa criança bororo engasgada com uma saborosa mangaba em brasa.
(H)ouve o papagaio do príncipe Maurício de Nassau com seu palavreado esquisito, amestrado no meio do medo por trás do respeito do obediente séquito.
(H)ouve o papagaio de Maria do Céu, cuja tagarelice pregava no mosteiro o silêncio absoluto da Terra para que o Mistério se mostrasse inteiro.
(H)ouve o papagaio do Fernando Pessoa, que renunciando no paço à ideia de ser sábio somente ecoava do vento e dos viventes um hesitante assobio.
(H)ouve o papagaio do Jorge de Sena, cuja matraca era solidária à criança solitária, exilada em sua mente de poeta eternamente lisboeta.
(H)ouve o papagaio do Graciliano, isto é, do Fabiano, repetindo o que resta de incontido grito no sertão quando o estio atinge o espírito.
Mas o papagaio na mão do rei deste folguedo natalino se cala, cambaio de tão encantado com o improviso de rimas e ritmos estranhamente íntimos, como que alados.
Este rei confunde porque seu poder não está na arma, está na alma sem posse de nada – a coroa é uma catedral espelhada que reflete de cada pessoa sua face sagrada.
Até a fachada desta igreja a girar na dança festeja a chegada de uma nova era, a da Criança, que, ao sonhar um reino além do que se lê em livro, em vez de cetro, fala de-lírio.
O certo é que não tem centro, nem cetro, esse Reino, imenso: lírio, narciso, amor-perfeito, nada na Criação é adereço, tudo traz essência para exalação do Verbo.
*Péricles Brandão: membro da Comissão de Humanidades Médicas do Conselho Federal de Medicina