A monetarização da Medicina
// Luiz Roberto Londres*
Paciente > Hospital >Plano de Saúde > Oligopólio
No tempo em que a Medicina era uma profissão voltada para a sua missão, no tempo em que o paciente era o motivo de sua existência, no tempo em que o sucesso era medido pelos resultados clínicos, no tempo em que o âmbito social e assistencial eram predominantes, no tempo em que os médicos eram valorizados, a atividade médica estava centrada nos atendimentos públicos e beneficentes. A Medicina era a mais bela vocação de jovens que procuravam construir sua vida profissional.
As duas maiores cidades de nosso país davam aulas de construção de hospitais. No Rio de Janeiro a excelência (termo que nunca era citado, pois era desnecessário e que hoje é citado em autoelogio) estava nos hospitais públicos e beneficentes. Vejam um punhado dos públicos: Hospital dos Servidores do Estado (onde se internavam os Presidentes da República), Hospital Souza Aguiar e Hospital Miguel Couto com serviços exemplares, Hospital de Ipanema com uma gama invejável de profissionais, Hospital Andaraí, Hospital da Lagoa. E alguns institutos: Instituto Nacional do Câncer, Instituto Nacional de Traumato-Ortopedia, Instituto Nacional de Cardiologia, Institutos de Neurologia e de Psiquiatria da UFRJ e tantos outros.
Na área privada pontificavam os hospitais beneficentes: Santa Casa de Misericórdia (a maior concentração de grandes nomes da Medicina), Beneficência Portuguesa, Pró Matre (lá nasceu o presidente Fernando Henrique), Amparo Feminino, Casa de Saúde São José, Hospital São Vicente de Paulo, ABBR, são alguns desses hospitais. Na área privada não beneficente, estavam hospitais que não tinham a preocupação do lucro, mas visavam a concentração dos pacientes dos fundadores: nesse grupo estavam a Casa de Saúde São Miguel, Clínica Ivo Pitangui, Clínica São Vicente, Casa de Saúde Santa Lucia, Prontocor, Pro Cardíaco, etc. O atendimento e não o lucro era a meta absoluta.
Áureos tempos de uma Medicina não mercantilizada. Esta começou a aparecer na década de oitenta, com o advento de hospitais de investidores. E agravou-se no momento em que a legislação começou a ser desconsiderada. Em novembro de 1966 foi publicado o Decreto Lei 73 que tratava entre outras das sociedades que visavam o seguro saúde. Lá estavam os seguintes artigos hoje totalmente desconsiderados:
Art.130 § 2º A livre escolha do médico e do hospital é condição obrigatória nos contratos referidos no artigo anterior.
Art 133. É vedado às Sociedades Seguradoras acumular assistência financeira com assistência médico-hospitalar.
E a Constituição Federal de 1988 tratava da saúde privada em alguns parágrafos dos quais vou destacar os abaixo:
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado
Art. 199.
§ 2º – É vedada a destinação de recursos públicos para auxílios ou subvenções às instituições privadas com fins lucrativos.
§ 3º – É vedada a participação direta ou indireta de empresas ou capitais estrangeiros na assistência à saúde no País, salvo nos casos previstos em lei.
Pergunto a vocês leitores: isto está sendo respeitado? Vocês têm o direito de livre escolha do médico e hospital? Há planos de saúde que têm hospitais próprios? O Estado respeita o artigo 196 da Constituição Federal? E o Artigo 199 em seus parágrafos 2º e 3º? E nós, pacientes, médicos e outros prestadores de serviço na área da saúde, estamos lutando pelos nossos direitos?
Vemos hoje o surgimento de poucos e enormes conglomerados de empresas que exploram a saúde com o fito primário de lucro, à custa dos verdadeiros protagonistas de nossa atividade: o paciente e seu médico. A Medicina deixa de lado seus ideais mais nobres, humanitário e social, para se tornar uma atividade explorada por terceiros. Antes como comércio, trocando seu símbolo – o bastão de Asclépio, pelo caduceu de Hermes – o deus do comércio e protetor dos ladrões. E hoje podemos dizer que mais uma mudança houve: sem qualquer pudor, seu símbolo hoje é o cifrão.
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* Luiz Roberto Londres é membro da Comissão de Humanidades Médicas do CFM