Laura, a musa platônica de petrarca


Armando José d’Acampora*

      Roberto Luiz d’Avila**

 

Petrarca aos 23 anos de idade conheceu, em 1327, Laura, sua musa inspiradora, quando a jovem já estava casada com um nobre francês. O encontro deu-se pela primeira vez na Igreja de Santa Clara de Avignon, cidade do sul da França, onde despertou em Petrarca uma paixão platônica duradoura. Provavelmente, Laura pode ter sido Laura de Noves, ou de Novis ou de Novais, esposa do Conde Hugues de Sade (ancestral do Marquês de Sade). Petrarca sempre negou a acusação de que ela possa ter sido um personagem idealizado ou com pseudônimo falso, visto que o nome Laura tem semelhança com láurea. Sua presença causava no poeta uma alegria indescritível, mas seu amor não correspondido criava desejos de um amor cortês. Sabe-se que entre Laura e Petrarca não existiu nenhum contato pessoal, haja vista que ela o recusava porque já era casada. Petrarca, apaixonado, canalizou estes sentimentos para os poemas de amor e escreveu, em prosa, que mostrava seu desprezo por homens que cortejavam mulheres.

Nascida em 1310, seis anos após Petrarca, em Avignon, era filha de Audiberto de Noves e sua esposa Ermessenda. Ela se casou com a idade de 15 anos, em 16 de janeiro de 1325. Petrarca a viu pela primeira vez dois anos depois, no dia 6 de abril de 1327, manhã de uma Sexta-Feira-Santa, na igreja de Santa Clara de Avignon, quando o poeta avistou uma jovem de tranças louras, e apaixonou-se imediatamente. Era Laura.

Não se sabe muito mais sobre ela além de que teve uma prole de onze filhos e era uma esposa virtuosa. Laura morreu durante a pandemia da peste negra que assolou a Europa a partir do ano de 1348. O amor de Petrarca, começando em 6 de abril de 1327, durou exatamente até a morte de Laura em 6 de abril de 1348, ou seja, 21 anos exatos. Ela possivelmente foi a Laura sobre quem o poeta humanista Petrarca escreveu diversas vezes, após aquele primeiro encontro, e Petrarca passou os primeiros próximos três anos em Avignon, cantando seu amor puramente platônico, além de perseguir Laura na igreja e em seus passeios.

Petrarca estudou em Montpellier (França) e Bolonha (Itália) onde cursou Direito e Teologia, como era vontade de seu pai. Após a morte do pai, em 1326, Petrarca voltou à Avignon, onde trabalhou em vários e diferentes empregos burocráticos, tendo assim mais tempo livre para se dedicar aos seus escritos, e no ano seguinte conheceu Laura, sem nunca ter conversado com ela.

Em 1337, Petrarca retornou para Avignon e comprou uma pequena propriedade em Vaucluse, para estar perto de sua querida Laura. A perda de sua amada causou a divisão do Canzoniere em duas partes: In vita di Madonna Laura e In morte di Madonna Laura. Com a morte de Laura, Petrarca adentrou em uma fase de luto e suas poesias assumiram um tom melancólico, e até o fim do Canzoniere ele buscou exprimir a sua evolução espiritual como cristão, que a seu modo ecoou na progressiva espiritualização da imagem de Laura.

O Canzoniere de Petrarca é a obra que contém seus poemas na tradição trovadoresca do amor cortês, que tiveram grande papel na formação do italiano como idioma literário, como também popularizou uma nova forma de soneto, que passou a chamar-se soneto petrarquiano. Poetas renascentistas copiaram o estilo de Petrarca e nominaram a coleção de 366 poemas de Canzoniere, composto por trezentos e dezessete sonetos, vinte nove canções, nove sextinas, sete baladas e quatro madrigais.

Anos depois da morte dela o poeta escreveu Trionf (Triunfos), uma alegoria religiosa onde Laura é idealizada. O nome de Petrarca está associado intensamente ao de Laura, a mulher amada, que ele canta em Rerum vulgarium fragmenta e a celebra nas “Rime sparse”.

O Canzoniere se tornou um exemplo da lírica amorosa no Ocidente e os versos de Petrarca reverberaram tanto na posteridade que se tornaram o idioma próprio do Amor. O que o nosso poeta nos relata em sua lírica é o seu tormento amoroso, toda a contradição entre a alegria e o sofrimento de amar uma mulher que o despreza, uma mulher inalcançável em vida e, principalmente, em morte.

Petrarca era um homem melancólico. É na imaginação e na fantasia que o encontro entre o poeta e a sua musa se realiza, e assim, na melancolia, a musa não é nem apropriada e nem perdida, mas as duas coisas acontecem ao mesmo tempo. O Amor e a melancolia entrelaçaram-se por meio de uma tradição médica medieval na qual são catalogados como doenças mentais e análogas, pois ambas causam uma alienação, unida de imensa e irracional concupiscência.

Petrarca considerava seu amor por Laura um motivo de pecado, contrariando o amor celestial que reclamava uma lúcida retidão moral, sendo traído pela sua vontade. Ele cultivava a solidão e a melancolia, sendo atormentado pela sua fraqueza diante do amor de Laura. Em Petrarca, o esplendor de Laura perturbava os seus sentidos, gerando o motivo de seu tormento. Para Petrarca a beleza, emancipada de todo símbolo, fala por si mesma, sendo autônoma e independente. Laura morta continua com o seu fascínio de mulher e seus atributos femininos continuam sendo motivo de sentimentos e emoções como quando era viva. Petrarca colocou em Laura o universo do Amor e, por ela, conheceu os segredos do amor humano.

O possível túmulo de Laura teria sido localizado pelo poeta francês Maurice Scève, em 1533.

 

*Armando José d’Acampora é médico-cirurgião geral e proctologista, Doutor em Medicina e professor aposentado da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e da Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL). Atualmente é Coordenador, em Santa Catarina, da Cátedra de Bioética Lusófona da Unesco (sede em Portugal) e membro da Câmara Técnica de Bioética e da Comissão Nacional de Humanidades Médicas do CFM.

 

**Roberto Luiz d’Avila é médico cardiologista, especialista em Bioética, Mestre em Neurociências e Comportamento e professor aposentado da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Foi Presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM) e do Conselho Regional de Medicina de Santa Catarina (CRM-SC). Atualmente é professor da Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL) e membro da Câmara Técnica de Bioética e da Comissão Nacional de Humanidades Médicas do CFM.