O Folguedo da Rainha Grávida
Péricles Brandão*
Lá dentro da igreja, o altar-mor confirma seu inquieto amor e convida seu olhar a espalhar inocência além da casa da infância – para reencantar a Terra, ressantificar a História.
Não à toa da sua coroa encimada com a cruz pende um arco-íris de fitas coloridas. Esta mulher com a face entre desassossegada e decidida está grávida de vida infinita.
Sonha com vida que, gratuita gana, multiplica vida para, salva como dádiva, plena, saldar a dívida de uma humanidade enganada pela vaidade desmedida.
É uma rainha cambembe, isto é, uma artesã da paz caeté: não há distância entre o que faz e o que pensa, entre o que pensa e o que sente, entre o que sente e o que é.
Seu sentimento diante do mundo é de pertença e esperança, o espanto profundo diante da vida é a razão de seu canto, de sua dança e é o segredo de sua invencível sustança.
Em suas entranhas, a Terra mesma está grávida, a História está grávida. Não tem dúvida: nada está à deriva, é placenta para toda vida que se plasma a própria via Láctea.
Enquanto acaricia a barriga, pensa numa ânsia antiga: não quer que cresça a criança para a desavença, para a batalha, mas para a benquerença, para a partilha.
Não pensa como sinal de nobreza na destreza da lança ou na precisão da flecha que alcança o alvo, mas na leveza da dança, na devoção sincera ao Alto.
Não pensa para sua criança em glória, riqueza, vãs aventuras para acumular coisas, mas em eterno agora, pura presença, bem-aventurança.
Com seu folguedo, prepara uma festa para que, humanamente divina, em cada alma – assim larga como a praça, só aconchego como um lar – renasça, cheia de Graça, a Criança.
*Péricles Brandão: membro da Comissão de Humanidades Médicas do Conselho Federal de Medicina