A reconstrução da Medicina


// Luiz Roberto Londres

Ensino Médico > Medicina Pública > Medicina Ambulatorial >Relação médico-paciente

 

Estamos assistindo a tentativa de correção dos desmandos da Medicina através da correção da situação em que ela se encontra sem que se pense em corrigir as causas dessas distorções. Para isso quatro passos apenas poderiam fazer muito mais do que todos os esforços tantas vezes, eles mesmos, distorcidos. Vamos a eles:

 

1- Ensino Médico

Restauração do Ensino Médico de qualidade: uma revisão no currículo obrigatório que incluísse disciplinas ao largo da atividade médica, mas que fossem importantes para ela, de modo que as escolas não formassem apenas mão de obra automatizada e sim profissionais que usassem o seu raciocínio e tivessem a noção da missão de sua atividade. As ciências humanas aplicadas à Medicina são de vital importância para se atingir essa meta. Seriam elas: filosofia, antropologia, sociologia e ética médica e a história da Medicina. Como diz José de Letamendi: “Aquele que só Medicina sabe, nem Medicina sabe”.

A definição das responsabilidades dos corpos docentes seria outro ponto importante. Os mestres só seriam admitidos ou perpetuados se, além do concurso prestado, demonstrassem competência e compromisso com o ensino médico senso lato. Aqueles que desejam seguir a carreira do magistério devem a ele se dedicar colocando-o no centro de sua atividade profissional.

E, finalmente, a necessidade absoluta e premente da avaliação dos recém-formados e, indiretamente, das escolas por eles formados. Um exame de ordem, tipo o que já existe para os recém-formados nas escolas de direito promovido pela OAB deveria ser instituído pelo Conselho Federal de Medicina. A divulgação dos resultados por escola deixaria à mostra o nível de qualidade das mesmas e apontariam aquelas que estão fornecendo diplomas para futuros profissionais ainda incapacitados para a prática.

 

2- Medicina Pública

O cumprimento do artigo 196 da Constituição Federal diz que “A saúde é direito de todos e dever do Estado”. É crescente a necessidade de cobrarmos do Estado o cumprimento da mesma, com a destinação adequada de verbas e com o oferecimento de serviços e acomodações condizentes com a prática médica. E mais, que a assistência médica não esteja focada em hospitais e exames complementares, mas em serviços que privilegiem a medicina ambulatorial. E que não permita que os serviços públicos sejam explorados pela iniciativa privada, tirando lugar daqueles que não podem ou mesmo não querem ter um plano de saúde.

A saúde pública tem a obrigação de dar a todos os brasileiros o tratamento médico adequado. Assim, só aqueles que quisessem um conforto maior como um quarto exclusivo, por exemplo, recorreriam à Medicina privada. Cabe a todos nós, brasileiros, lutarmos para que a saúde pública volte a ter qualidade, como no tempo em que presidentes da república se internavam no Hospital dos Servidores do Estado. Aliás, assistimos de braços cruzados, planos de saúde pagos pelos nossos impostos, para membros do Congresso, para aquela casa que aprovou a Constituição Federal.

 

3- Medicina Ambulatorial

É preciso que o centro da Medicina volte para os pontos de sua maior simplicidade: o ambulatório e o consultório. A sugestão para o serviço ambulatorial da rede pública seria a implantação de ambulatórios simples, com poucos métodos complementares (eletrocardiografia, ultrassonografia, radiologia simples e material de coleta de sangue e urina). Os dados seriam lançados em um prontuário informatizado com rede que ligasse todos os pontos de atendimento e uma central que faria o estudo das diversas variáveis.

Com o cruzamento de dados seria possível consolidá-los para se estabelecer a história familiar e a prevalência das patologias por local de moradia. Seria solicitado de todos os atendidos que colocassem seu grau de satisfação e suas críticas s sugestões. E, sem interferir no ato médico, seria possível avaliar o desempenho da cada profissional, fornecendo a cada um deles os resultados pessoais dessa avaliação e como se encontra no seu universo.

 

4- Relação médico-paciente

Com os passos acima estaríamos resgatando aquilo que considero o cerne da atividade médica, o encontro médico-paciente e estaríamos reconduzindo a inserção da Medicina como uma atividade pessoal e social. Seria aproveitada em sua integralidade a anamnese que, segundo Howard Barrows, educador médico da Southern Illinois University dá ao profissional, 90% de possibilidades de chegar a hipóteses diagnósticas corretas.

A relação médico-paciente tem outra finalidade além do estabelecimento do diagnóstico: acolher e confortar o paciente, abraçando assim o modelo médico denominado de biopsicossocial formulado por George Engel. E assim o médico voltará a atender um ser humano em sua integralidade e não apenas detectar os problemas de seu corpo.

 

 

Acesse aqui o sumário da série de artigos de Luiz Roberto Londres

 

* Luiz Roberto Londres é membro da Comissão de Humanidades Médicas do CFM

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