Desta terra nada vai sobrar, a não ser o vento que sopra sobre ela, de Ignácio de Loyola Brandão
Ignácio de Loyola Brandão pretendia publicar um novo romance em 2016, quando completou 80 anos. Mais de 200 páginas estavam escritas quando ele percebeu que não era nada daquilo. “Era a história de um amor rompido, mas, naquele momento, o Brasil é que estava rompido, estilhaçado”, conta ele, que jogou tudo fora (“Deleto tudo para não ficar depois na dúvida: e se aquilo era bom?”) e, depois de uma rotina quase espartana, finalizou Desta terra nada vai sobrar, a não ser o vento que sopra sobre ela (Global Editora), que será lançado nesta sexta-feira (24/8), a partir das 19h, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional.
Seu primeiro romance desde A altura e a largura do nada (Jaboticaba), lançado em 2006, o livro reúne estilhaços do que sobrou da implosão da sociedade brasileira. Fino observador do cotidiano, Loyola apresenta aqui uma vida normalizada na anormalidade. “Assim como Zero (1975), que nasceu do sufoco sob a pressão da ditadura e sua censura, violência, torturas, prisões e guerrilhas, Desta Terra surgiu quando percebi que tudo andava confuso no país”, explica. “O Brasil se dividiu. Os grupos estão cada vez mais acirrados – os Nós, os Eles, os Aqueles, os Outros. Uma insegurança geral.”
Foi desse incômodo que nasceu a tumultuada relação de Felipe e Clara, jovens que buscam a ordem no caos.
O enigma Brasil
Ignácio de Loyola Brandão gosta de se definir com uma frase que ouviu de Curt Meyer-Clason (1910-2012), importante tradutor da literatura brasileira para o alemão: “Sou um pessimista que não passa de um otimista com experiência”. O chiste é importante para se compreender Desta terra nada vai sobrar, a não ser o vento que sopra sobre ela.
Ambientado em uma época incerta (detalhes futuristas como máquinas que leem pensamentos convivem com objetos que identificam um passado longínquo, como um bonde), o romance retrata um Brasil caótico – 1.080 partidos políticos coexistem, tornando a eleição presidencial um fato mensal, graças à profusão de impeachments. A função de ;político;, aliás, de tão deteriorada, foi trocada por ;astuto; e ministérios importantes, como Cultura e Saúde, foram simplesmente extintos.
“Somos vigiados o tempo inteiro, há câmeras por toda a parte; aliás, quem narra o livro são as câmeras”, comenta Loyola, que vê o próprio romance como uma ficção político-burocrática. “Felipe, o protagonista, foi marqueteiro, mas a palavra não existe mais, trocada por Conselheiro, mas vive um inferno astral, depois que Clara, a mulher que ama, dá-lhe um pé na bunda nas primeiras dez linhas do romance.”
Atordoado, ele inicia uma viagem sem fim pelo país. “O livro é essa viagem sem sentido, que vai revelando o interior do Brasil. Por sua vez, fugindo da violência de São Paulo, da insegurança, da ameaça de desemprego, do caos que a cidade se tornou, Clara também se mete em outro ônibus, em busca de sua terra natal.”
Curiosamente, Loyola é um escritor viajante, sempre disposto a enfrentar a estrada (ou os céus) para descobrir um novo local, uma nova população. “Fiz todos os Estados brasileiros”, revela, orgulhoso. “O que me dá razões para minha perplexidade. Conheci muita gente que não reconhece mais esse país como aquele onde nasceu, cresceu e fez a vida.”
Apesar do tom apocalíptico da narrativa, Loyola enxerga otimismo em sua história, especialmente no final, surpreendente, sinfônico – é a última novidade oferecida ao leitor. “Cada capítulo pode ser uma história separada dentro do livro”, diz o escritor. “Podem ser vários livros curtos dentro de um maior. Como se fossem fábulas, metáforas, crônicas de uma época, tudo recheado com humor, ironia, violência. Há momentos de poesia, outros cheios de fantasia e delírio.”
Loyola conta ter ficado satisfeito com a retomada do hábito de escrever um romance. “Eu estava com medo de ter ficado preguiçoso, acostumado apenas a produzir as crônicas para o Caderno 2.” Foi um trabalho de quatro anos, em que ele produzia todos os dias, menos aos domingos. “Começava em geral às 6 da manhã, ia até 9 ou 10, tomava café, voltava. À tarde, escrevia pouco – o que produzo nesse horário, em geral, preciso reescrever no dia seguinte.”
Mudanças, alterações, foram muitas. Loyola tem um estilo curioso. A cada versão dada por encerrada, ele mandava imprimir e encadernar, formando um volume. Nova leitura, mais mexidas. “Pronta a segunda versão, faço nova cópia total, encadernação, releitura. Guardo todas essas versões. Tenho oito. E, depois que vejo o livro impresso, nunca mais olho as versões que levaram a ele.”
E, para tratar com tranquilidade a futurologia, Loyola fez várias pesquisas sobre a modernidade da comunicação, como o que se prevê sobre a evolução do telefone celular e a possibilidade cada vez mais certa de implantação de chips em seres humanos. O escritor sabe que fez uma aposta alta em seu novo romance, podendo agradar e desiludir com a mesma intensidade. “O que é escrever um livro? É atravessar um fio de aço entre dois altos prédios, sem rede lá embaixo, tentando se equilibrar”, conta, confessando seu nervosismo. “O que vai ser? Como será recebido? Mas faz parte do jogo o frio na barriga.”