“Vamos erradicar a pólio do mundo em dois anos”
Um herói da saúde global. Foi assim que o júri da Fundação BBVA Fronteiras do Conhecimento – entidade que estimula pesquisas em saúde, meio ambiente e economia – classificou na semana passada o epidemiologista brasileiro Ciro de Quadros, 72 anos, a quem concedeu um prêmio na categoria Desenvolvimento. Gaúcho de Rio Pardo, ele criou estratégias que levaram à erradicação do sarampo e da poliomielite, doença que causa a paralisia infantil, em diversos continentes. Presidente do Instituto Sabin, (EUA), Quadros se dedica há mais de quatro décadas ao combate dessas enfermidades, motivo pelo qual se tornou uma referência mundial. Seu trabalho é realizado em conjunto com agências da Organização das Nações Unidas, governo e universidades. Além do reconhecimento, o médico receberá US$ 400 mil.
Quadros participa de um conselho de monitoramento da situação da poliomielite no planeta. “Acredito que vamos erradicar a doença do mundo em dois anos”, afirma o pesquisador. Eliminada da maior parte dos lugares, a pólio persiste em países como Nigéria, Paquistão, Afeganistão e Chade. Determinado, o epidemiologista tem em mente outra campanha, desta vez para erradicar do mundo a ideia de que o dinheiro destinado à saúde é um gasto. “É investimento. E dos mais rentáveis”, afirma. Quadros deu a seguinte entrevista à ISTOÉ, de Washington, a poucos dias da premiação, recebida na noite da quinta-feira 21 em Madri, na Espanha:
ISTOÉ – Qual é a situação da poliomielite hoje no mundo?
Quadros – Há um número importante de casos na Nigéria, Afeganistão, Paquistão e Chade. A Índia, que era um problema seríssimo, está há mais de um ano sem casos. Para monitorar a situação mundial da pólio, criamos um grupo independente de governos e entidades. Nós nos reunimos a cada três meses em Londres e chamamos os países para orientá-los sobre o combate à doença.
ISTOÉ – E o que é necessário para eliminar definitivamente a pólio?
Quadros – Os programas de vacinação devem ser constantes e não podem sofrer redução de recursos. Uma das medidas importantes para que isso ocorra, e que faz parte dos objetivos da Década das Vacinas, lançada pela Organização Mundial de Saúde e que começa agora em 2012, é que os países se apropriem e assumam seus programas de vacinação como prioridade. Na América do Norte, os países pagam 98% dos programas de vacinação, que são nacionais. Na África, eles pagam menos de 40% do valor. Precisam investir mais. Também as agências internacionais que financiam esses programas precisam mudar sua abordagem. Elas ainda atuam de forma muito paternalista em vez de trabalhar em parceria com os países e a comunidade. A grande questão é introduzir as vacinas e sustentar a continuidade dos programas de vacinação. Mas acredito que vamos erradicar a pólio no mundo dentro de dois anos.
ISTOÉ – Qual é a sua estratégia para convencer os países a dar prioridade aos programas de vacinação e de que a saúde é investimento na economia da nação, no mais amplo sentido?
Quadros – Cada euro investido em vacinas em um país pode ter um retorno econômico de mais dez euros. A vacina é o melhor investimento em saúde publica. Produz dividendos incalculáveis. Além disso, nos países latino-americanos, por exemplo, gastam-se milhões no tratamento das enfermidades pneumônicas. Mas com as vacinas esse gasto poderia ser eliminado pela metade, ao menos.
ISTOÉ – Pode apontar algum governo que considere o dinheiro destinado à saúde como investimento em vez de gasto?
Quadros – É o começo de um processo. Em 1993, o Banco Mundial lançou uma publicação que falava da importância do desenvolvimento na saúde, mas os economistas foram muito lentos em mover essa agenda. Só agora os países começam a perceber a importância desse tema. Vários economistas renomados estão levantando essa bandeira. Estudos feitos pela Universidade Harvard, nos Estados Unidos, por exemplo, mostram que quando baixamos a mortalidade infantil, aumentamos a riqueza dos países. Há também pesquisas mostrando que as crianças vacinadas têm melhor desempenho escolar do que aquelas que não foram vacinadas.
ISTOÉ – Quais vacinas em pesquisa estão mais próximas de se tornar realidade?
Quadros – A de dengue. A malária pode vir depois.
ISTOÉ – E a vacina contra a Aids?
Quadros – Há muitas em estudo, mas não temos nenhuma candidata. No Instituto Sabin, estamos estudando uma vacina para a ancilostomose, a doença do Jeca Tatu, de Monteiro Lobato. Mas estamos distantes de algo concreto.
ISTOÉ – Há muita preocupação em relação ao custo elevado dessas novas vacinas. O temor é que seja difícil torná-las realmente acessíveis. O que acha disso?
Quadros – Vacinas mais novas custam mais caro do que as tradicionais, desenvolvidas há 50 anos, por exemplo. As antigas envolvem tecnologias que se tornaram simples e baratas. Deveria, porém, haver maior transparência nos preços. E isso não está acontecendo.
ISTOÉ – Por quê?
Quadros – Ninguém sabe realmente os custos de produção das vacinas. A do Rotavírus (micro-organismo que causa diarreia e pode ser mortal em crianças), por exemplo, estava sendo vendida a US$ 7,5 a unidade há poucos meses, mas agora está sendo comercializada a US$ 2,5 por meio da Aliança Gavi (entidade internacional dedicada à imunização). E os fabricantes ainda estão tendo lucro.
ISTOÉ – É possível calcular o custo-benefício?
Quadros – Sim. Em outubro, o Instituto Sabin apresentará, em São Paulo, um relatório sobre o custo e benefício de dar a vacina de pneumococo à população na rede pública. Vamos mostrar a carga que representa a doença para os adultos. Na Argentina, em março, demonstramos o preço da doença meningócica. Temos grande atividade no provimento de informações para os governos tomarem decisões mais inteligentes sobre vacinas baseados em evidências epidemiológicas e econômicas. O Instituto Sabin não cobra por isso.
Fonte: Revista IstoÉ