VII Congresso Brasileiro de Humanidades Médicas
O resgate de uma formação ampla dos médicos, baseada na defesa de princípios éticos, na proximidade com o ser humano e comprometida com a cidadania. A construção deste perfil – considerado ideal por vários médicos, professores e alunos de medicina – foi destaque na solenidade de abertura do VII Congresso Brasileiro de Humanidades Médicas, encontro que teve como tema “Medicina: Humanidades e Tecnociência – desafios na formação e prática”. O evento, promovido nos dias 25 e 26 de julho de 2019, em São Paulo (SP), reuniu cerca de 250 médicos de diversas especialidades, professores, estudantes e profissionais de áreas afins interessados no conhecimento humanístico voltado para a prática médica e a saúde.
O documento propõe princípios fundamentais nas chamadas humanidades médicas. “As Humanidades podem contribuir com a demonstração da convergência essencial entre seus princípios fundamentais e o novo paradigma científico, lançando uma visão mais abrangente e profunda sobre a tensão dialética entre entropia e sintropia, entre doença e saúde, entre morte e vida”, pontua logo no primeiro artigo da declaração.
Leia a seguir o documento completo:
DECLARAÇÃO DE SÃO PAULO
Humanidades Médicas
A Comissão de Humanidades Médicas do Conselho Federal de Medicina resolveu, a partir das discussões ocorridas durante o VII Congresso Brasileiro de Humanidades Médicas, sobre “Medicina: Humanidades e Tecnociência – desafios na formação e prática”, em São Paulo, Brasil, nos dias 25 e 26 de julho de 2019, propor a presente carta de princípios fundamentais.
Artigo 1: As descobertas mais recentes das ciências naturais, especialmente da física quântica e da biologia sistêmica, confirmam pressupostos sugeridos pelas artes em todos os tempos e pelas tradições filosóficas e místicas. As Humanidades podem contribuir com a demonstração da convergência essencial entre seus princípios fundamentais e o novo paradigma científico, lançando uma visão mais abrangente e profunda sobre a tensão dialética entre entropia e sintropia, entre doença e saúde, entre morte e vida.
Artigo 2: A revolução científica ocidental iniciada no século XVII, separando, em nome da objetividade, o sujeito pensante (ego cogitans) da coisa estudada (res extensa) conduziu à ilusão da possibilidade de conhecimento do todo pela análise hiperespecializada de cada parte. As Humanidades podem contribuir para a superação da fragmentação epistemológica através da perspectiva de compreensão do homem em sua totalidade, em sua complexidade multidimensional: soma, psique, nous, ou seja, corpo, alma, consciência transcendental.
Parágrafo único: O cuidado integral, que pressupõe a percepção do ser humano em sua inteireza e suas múltiplas expressões e formas de relação com o mundo – do amor à espiritualidade –, é uma necessidade epistemológica com decisivas implicações terapêuticas.
Artigo 3: Pesquisas confiáveis demonstram que, diante do ensino linear, unidimensional, reducionista e exclusivamente técnico das ciências médicas, sucede um abandono gradativo do olhar respeitoso, do espírito altruísta e da atitude de cuidado amoroso com o outro. As Humanidades, inspirando métodos transdisciplinares, integrando intuição, emoção, sentimento, pensamento, propondo práticas que associem ao rigor científico necessário a criatividade e a imaginação, podem provocar o recrudescimento profundo da fraternidade e da solidariedade.
Artigo 4: Um veloz avanço da tecnociência na medicina transformou os exames complementares em principais critérios de avaliação diagnóstica e decisão terapêutica, relegando a segundo plano a relação médico-paciente e a compreensão da inteligibilidade de cada contexto histórico e biográfico. As Humanidades podem ajudar a restituir a centralidade da escuta empática e da sensibilidade clínica como fonte de informação para a definição das condutas médicas mais adequadas à singularidade de cada caso, com a consequente diminuição de custos dos serviços de saúde.
Artigo 5: Mais do que os erros médicos ou as controvérsias suscitadas pelas mais inquietantes questões éticas, é a dificuldade de comunicação entre médico e paciente a principal causa de denúncias, em nosso país e no mundo, perante as várias instâncias de controle e julgamento. As Humanidades podem colaborar, através de práticas vivenciais e reflexões teóricas, com o refinamento da sensibilidade, para o entendimento da real natureza da atenção plena e para a percepção do outro em seu sofrimento e em sua ânsia de plenitude, de modo a facilitarem uma comunicação entre médico e paciente mutuamente satisfatória.
Artigo 6: Convivem em nossa sociedade, conforme dados epidemiológicos estatisticamente relevantes, as doenças do subdesenvolvimento – infecto-contagiosas – com as doenças do superdesenvolvimento – crônico-degenerativas. As Humanidades podem contribuir para uma identificação criteriosa dos componentes causais ligados a um modelo econômico que privilegia o lucro imediato e exacerba a exclusão social e a degradação ambiental.
Artigo Final: A deontologia como ciência dos deveres profissionais e a diceologia como ciência dos direitos profissionais não são suficientes para despertar uma consciência ética em seu sentindo mais abrangente. Que as Humanidades – aqui exaltadas através de princípios fundamentais – em diálogo com a Medicina inspirem, para além da simples observância de códigos e artigos, um compromisso ético nascido do senso pessoal profundo de responsabilidade e amor incondicional pela vida em todas as suas manifestações, em todas as situações, sem injunção jurídica ou institucional.
São Paulo, 26 de julho de 2019.
Carlos Vital Tavares Corrêa Lima
Presidente do CFM
Henrique Batista e Silva
Secretário-Geral do CFM
Coordenador da Comissão de Humanidades Médicas
A cerimônia de leitura do documento oficialaprovada no encontro pode ser assistida AQUI.
A medicina como arte e ciência do cuidado integral foi tema central de conferência proferida pelo médico Péricles de Almeida, membro da Comissão de Humanidades Médicas do CFM. Na apresentação, o palestrante instigou reflexões sobre o modo de viver e a evolução do homem. “A medicina tem que lidar com sintropia e a entropia. Tem que estar aberta para o tratamento das doenças e para afirmação do desenvolvimento humano em sua plenitude”, pontuou.
Homenagem – Durante a abertura do congresso, o presidente do CFM ainda homenageou com um minuto de silêncio o padre camiliano e especialista em bioética Leocir Pessini (64 anos), falecido no dia 24 de julho. Pessini foi um dos grandes colaboradores na elaboração do Código de Ética Médica atualizado em 2009.
A programação também reservou espaço para a mesa-redonda sobre as expectativas dos estudantes em relação ao futuro profissional na era digital. Quatro alunos puderam relatar suas perspectivas para a medicina e o avanço do mundo tecnológico na saúde. Um deles foi o coordenador Regional Sul da Direção Executiva Nacional dos Estudantes de Medicina (DENEM), Henrique Bassin, que tratou da precarização da medicina, o que chamou de “uberização da saúde”. “A tecnologia já é uma realidade e precisamos observar as consequências dela. O meu temor é que ela seja motivo para precarização da saúde”, disse.
Conexão humana – Os estudantes também abordaram os avanços da era digital e as mudanças nos hábitos das pessoas na hora de escolher um tratamento ou procurar uma ajuda médica. “Quando os pacientes procuram médicos, não é simplesmente porque querem um diagnóstico ou um tratamento, eles querem uma conexão humana, e isso nenhuma máquina tira da gente”, defendeu Priscilla Barbosa Costa, presidente Associação Brasileira de Ligas Acadêmicas de Medicina (ABLAM).
As apresentações do evento estão disponíveis no canal do CFM no YouTube e podem ser acessadas AQUI.