Nascer sorrindo, Frédérick Leboyer
// Frédérick Leboyer
“O nascimento tem tanta importância?”, perguntarão alguns.
“Mas são apenas alguns minutos. É como um raio. Entre um longo ‘antes’ – a gestação – e um longo ‘depois’ – a educação.”
“Está bem… o recém-nascido grita quando nasce?
“Grande coisa! É um mau momento que tem de ser suportado. Por que fazer tanto barulho?”
Um mau momento a suportar… É fácil dizer. Há outro “mau momento”, tão rápido quanto este, cuja sombra paira o tempo todo sobre nossas vidas. É a morte.
De qualquer maneira, o nascimento é apenas um instante.
Certo. Mas um instante privilegiado.
Nascer é se instalar na respiração. Nesse vaivém, nessa oscilação que só termina quando terminamos.
A respiração é o pequeno e frágil barco que nos transporta de uma margem a outra.
Tudo o que vive respira.
A criação é apenas respiração.
Todo mundo respira. E como!
A respiração, dependendo se é livre ou entravada, pode mudar a vida da pessoa. Quantos não vivem meio estrangulados! Incapazes de dar um suspiro. Menos ainda um verdadeiro riso.
Viver livre significa respirar livremente. Não apenas com os ombros e o peito. Mas com o ventre, com os flancos. E com as costas.
Para viver e respirar plenamente, é preciso ter costas eretas, coluna vertebral livre. Flexível, viva.
Quantos atravessam a vida tendo, por coluna, uma vassoura?
Será que todos sabem que os doentes mentais são incapazes de uma inspiração profunda?
O mínimo bloqueio ao longo da coluna, do esteio, e pronto, a respiração, a vida, ficam entravadas. E o indivíduo é marcado para sempre.
É no momento de nascer que a respiração se organiza. Ou que se delineiam os futuros bloqueios.
A organização, a estrutura, ficam comprometidas para sempre.
Não há dois seres com a mesma fisionomia, não há duas respirações idênticas. Cada um respira à sua maneira. E, na maior parte do tempo, mal.
Muitos o sentem e dizem:
“Não consigo respirar. Preciso aprender.”
Há os que tentam.
Aprendamos a respirar!
A respiração é, não resta nenhuma dúvida, construída.
Assim como o destino. A partir do momento em que nascemos.
Depois, mais tarde, é tarde demais. É no momento do nascimento que o problema deve ser pensado.
Outros afirmarão, em tom mais grave:
“Sem dúvida o nascimento marca a criança.”
“Ora, a vida não é exatamente um prazer. É um combate inglório. É uma selva onde se deve escolher entre devorar ou ser devorado. É preciso lutar incessantemente.”
“Assim, a agressividade é indispensável. Quer queira quer não, é preciso que o bebê saiba, desde que nasce, em que covil de bandidos caiu.”
Está certo, a vida é uma selva, uma arena. Basta uma olhada ao redor: ninguém precisa de olhos muito atentos para ficar de cabelos em pé.
Coisa estranha: não corremos o risco de encontrar tigres, ursos, lobos ou serpentes pelas esquinas. E, no entanto, o medo habita nossas cidades.
Perguntar se esse estado de coisas vai durar é correr um risco muito grande. E também nos afasta do objeto da discussão, o nascimento.
Não, não é se afastar. Os espartanos atiravam ao chão, com força, os recém-nascidos.
Mas ainda queremos forjar guerreiros?
Muitos ficarão calados neste momento. Para não gritar: “Sim!”. Acalentam a violência em segredo.
É preciso, no entanto, despertar. Os mamutes desapareceram. Os dinossauros também. E todos os monstros e perigos que atormentaram o homem ao longo das eras.
Contudo, muitas vezes ignoramos que os mamutes desapareceram. Pelo menos, se nos basearmos na simpatia que conservamos, no fundo do coração, pela força.
Com relação ao nosso assunto, pensar que um nascimento sem violência pode tornar as crianças indolentes, sem energia, é um grande engano. É exatamente o contrário da verdade.
O nascimento sem violência faz crianças fortes porque livres, sem conflitos. Livres e permanentemente despertadas.
Agressividade não é sinônimo de força. É exatamente o contrário. A agressividade, a violência, equivalem à fraqueza, à impotência e ao medo mascarados.
A força é segura de si mesma, soberana. A força é sorridente.
No entanto, receio ter dificuldades de convencer os simpatizantes da agressividade. Sofreram na própria carne e acreditam:
“A vida foi dura comigo. Recebi vários golpes. Isto me formou. Que os golpes formem as crianças.”
Em resumo, afirmam, sem o confessar:
“Sofri. Por que os outros não devem sofrer também?”
Abominável lei de talião.
Esses obstinados, esses rancorosos, clamam:
“A mulher sofre para dar à luz? É preciso, deve ser dessa maneira.”
Assustadora lógica a posteriori. Os “é preciso” desse gênero significam, na verdade, que o mal, o pecado, devem pagar seu tributo através do sofrimento. O culto da dor não é de hoje. E esse velho caminho conduz, diretamente, às fogueiras, inquisições e massacres de todo tipo.
Não há pecado.
Existe apenas erro, ignorância. Nossa própria cegueira. E nossa resignação.
O sofrimento é inútil. Mero desperdício.
Não satisfaz a nenhum deus.
O sofrimento é falta de inteligência. O parto sem dor aí está para prová-lo. Só desagrada aos violentos, aos autoritários, aos que gostam de coisas fortes.
A essas pessoas “duras”, gostaria de repetir o que disse Lao Tsé:
“Quando vem ao mundo,
o homem é frágil e sem força.
E, uma vez morto,
fica duro e rígido.
As roseiras e as grandes árvores,
quando ainda são pequenas,
vergam e são frágeis.
Quando morrem,
ficam secas e quebradiças.
É que a força e a rigidez
são companheiras da morte.
E a docilidade e flexibilidade
são amigas da vida.
A força, definitivamente,
nunca conquistou nada.”
Mas estou me desviando: argumento!
É loucura. Argumentar nunca convenceu ninguém. Ainda mais aos céticos e incrédulos.
No fim das contas, ou do conto, só posso dizer: “Experimentem”.
Tudo o que foi dito aqui é simples. Tão simples que temos vergonha de insistir.
Talvez tenhamos perdido o gosto pela simplicidade. Sim, é preciso tão pouco! Nada de orçamentos caros, recursos eletrônicos, orgulhos da tecnologia, brinquedos de crianças crescidas, tão furiosamente na moda.
Nada disso.
Apenas paciência e modéstia. Silêncio.
Uma atenção leve, mas sem falhas. Um pouco de inteligência, de preocupação com o outro. Esquecimento de si mesmo.
Ah! Já ia deixando passar.
É preciso muito amor.
Sem amor, vocês não passarão de bem intencionados.
A sala de parto pode estar perfeita, com a iluminação necessária, paredes à prova de som, temperatura do banho no ponto certo e, ainda assim, a criança continuará a berrar.
Peço que não condenem o método.
Vejam, antes, se não permanece em vocês um pouco de nervosismo. Algum mau humor, alguma impaciência. Urna raiva escondida.
A criança não se engana.
Vocês serão julgados com uma segurança miraculosa e terrível.
A criança sabe de tudo. Sente tudo.
Vê até o fundo do coração. Conhece até a cor de seus pensamentos.
Tudo isso sem uma linguagem especial.
O recém-nascido é como um espelho. Reflete sua imagem. Depende de vocês não o fazer chorar.
Frédérick Leboyer foi um autor e médico obstetra francês. Ele é conhecido pelo seu livro Nascer Sorrindo que popularizou o Parto Leboyer. Também foi responsável pela divulgação da prática de massagem Shantala no ocidente.