Filme: A Culpa é das Estrelas


Falar sobre câncer nunca é fácil. Trata-se de um tema tabu para muita gente que ainda enxerga nesse diagnóstico uma sentença de morte, ou quase. Saber como abordar o assunto, sem dúvidas, é para poucos.

 

//Nathália Siqueira

Falar sobre câncer nunca é fácil. Trata-se de um tema tabu para muita gente que ainda enxerga nesse diagnóstico uma sentença de morte, ou quase. Saber como abordar o assunto, sem dúvidas, é para poucos.

Entre os que superaram essa façanha, destaca-se o escritor norte-americano John Green, 41 anos, que, nos últimos tempos, virou figura fácil na lista dos mais vendidos em vários países, inclusive no Brasil. Suas obras têm aquela pegada juvenil, que o coloca entre os favoritos dos fãs de uma literatura sob medida para aflorar o romantismo e a paixão com toques de modernidade e autoajuda. Para tanto, usa suas experiências pessoais como fonte de inspiração para seus dramas, mesclando-as em narrativas em que também não faltam ironia e humor, mesmo quando o enredo carrega o peso de não apenas um, mas dois diagnósticos terminais.

Assim acontece com A Culpa é das Estrelas. O best-seller de John Green virou roteiro em Hollywood com direito a uma adaptação cinematográfica com atores com nomeações ao Oscar em seu currículo – Shailene Woodley, Willian Dafoe, Laura Dern – e outros em plena ascensão, como Ansel Elgort, que, desde 2013, tem emplacado vários sucessos um atrás do outro (como Carrie, a Estranha, e Divergente). A fórmula deu certo: como o livro, o filme também se tornou sucesso de bilheteria.

Não há como escapar da classificação: a história é um melodrama que, conforme definição do “New York Times”, mistura “melancolia, doçura, filosofia e humor”. O drama gira em torno de Hazel Grace (Woodley) e Augustus “Gus” Waters (Elgort), dois adolescentes que se conhecem em um grupo de apoio a pacientes com câncer. Como nas histórias tradicionais de amor e redenção, os protagonistas possuem visões muito diferentes sobre a doença.

Hazel, diagnosticado com um câncer em estágio terminal, com metástase nos pulmões, desde os 13 anos, se preocupa apenas com a dor que poderá causar aos outros. Por sua vez, Augustus sonha em deixar a sua própria marca no mundo. Há ecos de Love Story (Uma História de Amor), que arrancou rios de lágrimas do público na década de 70, tem uma trilha sonora que virou sinônimo de paixão e ainda ganhou ovações da crítica.

Tanto o livro quanto o filme são narrados sob a perspectiva de Hazel. Mas não pense que o mundo dessa heroína é cinza. Apesar de seu problema, a garota está longe de ser uma protagonista depressiva. Pelo contrário, sempre acompanhada por um cilindro de oxigênio – que carinhosamente chama de Phillip –, ela é bem-resolvida e busca viver sua vida como outra adolescente qualquer.

Mas o câncer – e os limites que trouxe – não passa incólume pela vida de Hazel. Não restam dúvidas de que uma pessoa que se descobre doente vê muita coisa mudar em seu mundo. Se a forma de refletir sobre a existência ganha outros contornos, o mesmo acontece também com a rotina. No caso de uma adolescente, as idas à escola e festas ficam totalmente inviáveis e a superproteção da família pode atingir níveis quase insuportáveis. A Culpa é das Estrelas retrata bem essa realidade.

No filme, os jovens passam a ter que conviver com diagnósticos duros, como o de um câncer, em estágio avançado, que tornam a morte algo inevitável e próximo. Hazel exprime bem a tensão permanente à qual está submetida ao afirmar que se sente como uma bomba-relógio: prestes a explodir e destruir tudo e todos ao seu redor.

Comunicar uma má notícia pode não ser o fim, mas o início de um processo com impactos benéficos para pacientes, familiares e até profissionais da saúde. A chave do sucesso reside no estado emocional do paciente, o qual é fundamental para enfrentar bem o tratamento e suas consequências. Essa é conclusão da psiquiatra americana Jimmie Holland, autora de The Human Side of Cancer (O Lado Humano do Câncer), que acumula mais de três décadas de estudos e experiências com o tema.

“Perguntar à pessoa sobre o seu nível de angústia é tão importante quanto perguntar sobre seu nível de dor”, avalia Holland, que mais adiante conclui: “Se uma pessoa está depressiva, ela pode desistir do tratamento ou não buscar as melhores formas de enfrentar a doença”.

 

OUTRAS HISTÓRIAS, OUTROS DRAMAS

O que chama atenção na narrativa fictícia de John Green, que deu a base do roteiro de A Culpa é das Estrelas, é a facilidade com que o autor e os roteiristas Scott Neustadter e Michael H. Weber encaixaram esses temas – câncer, morte, diagnóstico terminal – no universo jovem. Talvez esses polos que se tocam – o início da vida e a partida inevitável – é que temperem a trama ao mostrar que ninguém sabe melhor o que é aproveitar a vida que lhe resta do que um adolescente com uma doença grave.

Mas ele não é único nessa tentativa. O filme repete o exemplo de títulos como “Antes de Partir”, com Jack Nicholson e Morgan Freeman na pele de dois pacientes de câncer igualmente decididos a festejar a vida. Quando suas trajetórias se completam, tornam-se evidentes as mudanças que sofreram e a lição que fica é: “viva enquanto ainda há vida”.

E o que ocorre quando o protagonista não lida com um tumor, mas enfrenta um problema tão complicado quanto? O diretor Michael Haneke ganhou a Palma de Ouro e o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro ao contar o périplo de Anne (Emmanuelle Riva), acometida por uma doença que tira sua consciência e dignidade, e Georges (Jean-Louis Trintignant), seu marido, que a acompanha nessa jornada ao inferno da alma.

Ambos os atores no filme Amour fizeram um trabalho assombroso, tornando plausível a história do casal de músicos aposentados, que seguem apaixonados e desfrutando a cultura erudita até que um dia, sem qualquer aviso, ela sofre um ataque, cujo efeito é avassalador. Diante do avanço da doença, só o amor não evanesce.

Esses três filmes mostram que nem sempre a Medicina é capaz de salvar, mas ressaltam que a história é o mais importante no percurso. Em obras desse naipe, os autores – cada um a seu modo – usam a metáfora do infinito para enfrentar o esquecimento, a passagem do tempo e o medo da morte. Afinal, como “a vida é feita para ser vivida, se lembrar disso nunca é demais”, como afirma a personagem Hazel, em A Culpa é das Estrelas.

Para a psiquiatra Carolina Marçal, que atende crianças e adolescentes com câncer no hospital A.C. Camargo, em São Paulo (SP), a boa comunicação do diagnóstico é importante para ajudar o paciente na superação de suas dificuldades. Para estimular essa abordagem, é necessário que o médico tenha uma conduta pautada em valores humanos e não apenas técnicos e terapêuticos. Nesse processo, recorrer a obras de ficção pode ser um caminho. “A opção é muito individual, mas é sempre bom indicar algo que já tenha lido ou visto. O paciente se sente acolhido e melhora a relação de confiança”, relata. Para Carolina, as obras auxiliam a transmitir a mensagem de que nem sempre a esperança está ligada à cura, “mas em ficar bem, apesar da saúde”. Confira mais na entrevista abaixo.

Assistir a filmes ou ler livros sobre doença oncológica trazem esperança, estímulo para enfrentar o tratamento, ou semeiam falsas ilusões?

CM – A maneira como o paciente vai lidar com filmes ou livros que abordam temas de doenças oncológicas depende da história de vida de cada pessoa, ou seja, é individual. Algumas pessoas se sentem acolhidas e tranquilas, e outras podem se sentir angustiadas e tensas, então tudo depende da vivência de cada paciente em situações de aumento de preocupações.

Cabe ao médico transmitir a esperança e o conforto? Cabe a ele também indicar obras com histórias fictícias?

CM – O dever do médico é emitir a verdade ao paciente. Ele tem o direito de saber qual é seu diagnóstico, qual é o tratamento adequado, quais os efeitos colaterais, quais os riscos e qual é o prognóstico. Notícias ruins podem (e devem) ser transmitidas de maneira afetiva pelo médico para que o paciente se sinta acolhido na situação. Mesmo quando falamos de doenças sem cura, existem possibilidades de o paciente ter boa qualidade de vida, e isso não pode ser esquecido. O médico pode indicar livros ou filmes quando o paciente mostrar interesse pelo assunto.

Essas histórias têm algum impacto também na sociedade? De qual forma?

CM – Histórias que falam sobre dificuldades e sofrimentos rotineiros costumam ter impacto em todos, mesmo para quem não esteja passando pela mesma situação, pois remete a situações em que foi vivenciada alguma dificuldade ou sofreu-se com algo. Assim, contos abordando temas de superação trazem à tona a esperança e uma nova maneira de lidar com sofrimentos e dificuldades.

 

Fonte: Revista Medicina ED. 5 JAN/ABR 2014 P.94

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