Doença e cura: a arte de Robert Pope


O artista plástico canadense Robert Pope (1956-1992) morreu vítima da doença de Hodgkin aos 36 anos, depois de lutar contra a enfermidade por dez. Ele é conhecido por suas telas que exploram a experiência de adoecimento, cuidado em saúde e cura – muitas delas inspiradas em sua própria condição de paciente de câncer. No artigo que tem início nesta página, o professor Thomas “Jock” Murray, que conviveu com Pope em seus últimos anos de vida, analisa o artista e sua obra. As reproduções dos trabalhos que ilustram as páginas seguintes foram gentilmente cedidas pela Fundação Robert Pope (www.robertpopefoundation.com)

//Thomas “Jock” Murray
Professor emérito da Universidade Dalhousie (Canadá); atua nas áreas de neurologia e humanidades médicas.

A última vez que vi Robert Pope foi há cerca de seis anos antes de sua morte, e essa experiência ficou em minha memória como se fosse cena de um de seus quadros. Pouco antes do Natal, no porto de Halifax, o avistamos saindo de um mercado de agricultores, com uma árvore de natal pequena embaixo do braço. Apesar de pálido e magro, cumprimentou a mim e a Janet com o leve sorriso e o brilho nos olhos de sempre. Robert também observava a cena; os segmentos verticais nas construções de pedra, significando força e cura, as curvas leves e horizontais da rua, juntamente com o jovem rapaz que contrastava doença e saúde, medo da morte e esperança, trevas e luz, sonho e realidade. Ele provavelmente apreciou a composição plástica e os contrastes.

Conheci Robert após saber de um artista jovem que estava com câncer, dedicado a seu trabalho e à experiência com a doença. Telefonei para ele explicando que eu era da Faculdade de Medicina da Universidade Dalhousie (Canadá) e perguntei se poderia visitar seu estúdio. Chegamos a um armazém próximo à orla e batemos em uma porta suja. Fomos recebidos por um jovem calado e educado, de aparência frágil, que nos levou a uma sala cheia de gente, com telas e painéis enormes encostados em pilhas em cada uma das paredes. A princípio ele apenas apontava para os quadros ou levantava um painel. Pude ver que observava nossas reações à medida que Janet e eu alternávamos comentários ou perguntas. Quando fomos embora, sentimos que surgira uma ligação.

Mais tarde, nos preocuparíamos com Robert naquele estúdio gelado. Não sabia se ele se importava com a friagem; outras coisas eram claramente mais importantes. Ele havia alcançado uma visão de sua vida profissional, e embora possa ser inapropriado tentar descrever a forma como esse homem calado e gentil trabalhava febrilmente naquele armazém frio, certamente, ele era determinado, persistente e focado. Robert tinha algo a dizer e estava sempre ciente de que poderia haver um limite de tempo para fazê-lo.

Nos dois anos seguintes, Robert envolveu-se com a Faculdade de Medicina de Dalhousie, com a universidade e com os estudantes de medicina. A principal mostra de seu trabalho na Galeria de Arte de Dalhousie contou com uma boa participação e recebeu apoio unânime, sobretudo de pessoas que também tiveram experiências com câncer. Robert discursou a nossos alunos em um auditório em silêncio e os fez caminhar pela galeria, explicando-lhes os cenários e sentimentos de seus trabalhos. Eles ficaram completamente comovidos. Durante as semanas de exposição, era comum encontrar visitantes parados em frente a um quadro com lágrimas escorrendo pelos olhos e abraçando-se uns aos outros, com recordações das experiências de vidas ameaçadas pelo câncer.


Família esperando, acrílico sobre tela, 1990.

 

CIÊNCIA E ARTE

A arte de Robert resultou de seu profundo humanismo, associado a seu histórico de formação em ciências. Ele cursou matemática e física na Universidade de Acadia, em Wolfville, Nova Scotia, no Canadá. Três anos depois de concluir o curso, matriculou-se na Faculdade de Arte de Design de Nova Scotia (NSCAD) em Halifax, para desenvolver seu talento artístico.

Seus primeiros desenhos eram sobre adolescentes inquietos e sem rumo que dirigiam noite afora, mas quando ingressou na faculdade de arte seus trabalhos se tornaram mais “conceituais e imitativos”. A NSCAD assumiu uma posição de liderança no contexto da arte dinâmica dos anos 1960, quando se uniu ao entusiasmo da arte conceitual de Nova Iorque e se tornou uma das principais faculdades de arte da América do Norte. Robert foi inserido nesse processo, embora na época de sua graduação, em 1982, ele estivesse preocupado com seu aprendizado, com a indiferença da arte conceitual internacional e com a tendência desta a ter uma linguagem própria e um público limitado. Ele desconfiou das influências americanas na arte mundial dos anos 1970 e 1980 e do elitismo da arte moderna, “preocupada com códigos compreensíveis apenas a poucos”. Ele queria que sua arte falasse às pessoas de forma que todos a pudessem compreender, então, começou de maneira entusiástica a reaprender o sentido de se ser um artista. Depois da graduação na NSCAD, com bacharelado em belas artes, ele alugou um loft sem aquecedor no centro de Halifax e começou a trabalhar.


Colapso, acrílico sobre tela, 1989.

A DOENÇA DE HODGKIN

Um dia, logo depois da graduação, enquanto se barbeava, Robert encontrou no pescoço um nódulo do tamanho de uma noz. A doença de Hodgkin foi então diagnosticada e considerada por ele uma sentença de morte. A resposta às repetitivas sessões de terapia não era a que se esperava; o câncer sempre voltava. Seu médico, o doutor Ross Langley, o apoiava e era franco. As chances de sobrevivência chegaram a cair para 20% e ele ficou algum tempo no Hospital Princesa Margaret, em Toronto.

Robert recorreu ao método de assumir o controle de sua própria saúde e de seu destino enquanto colaborava com seus conselheiros médicos. Ele adotou a filosofia do movimento macrobiótico, incorporando a dieta, as alterações no estilo de vida e as atitudes mentais recomendadas por essa proposta. Robert não denegria ou criticava a medicina; ao contrário, continuava a se comunicar com ela e a seguir o conselho dos médicos.

COMO SELO SOBRE O TEU CORAÇÃO

A experiência na faculdade de artes foi importante para aprimorar sua visão e técnica. Depois de graduado, ele se voltou ao realismo e ao conceito de múltiplas imagens sobre um mesmo tema. Robert pintava sobre as experiências da vida. Cada quadro estimulava uma perspectiva diferente. Ele foi profundamente influenciado pelo livro de poemas de Elizabeth Smart publicado em 1945, maravilhosamente intitulado “Na estação Grand Central eu sentei e chorei” (By Grand Central Station I Sat Down and Wept). Ele refletiu sobre a relação de Smart com seu amante casado (o poeta britânico George Baker) e sua esposa e criou 47 telas em uma coleção chamada “Como selo sobre o teu coração”, inspirando-se no verso de “Cânticos dos cânticos”, de Salomão.

Os críticos da sua principal exposição de 1988 analisaram características que mais tarde estariam presentes em suas temáticas: embora tenha baseado seu trabalho no caso de amor adúltero de Elizabeth Smart, Robert generalizou a experiência para todos os tipos de relacionamentos. O tema das obras de Robert eram o amor e os relacionamentos. Nancy Bauer, escritora canadense, afirma que as obras de Robert baseadas em Smart eram sobre “lamentação, fim do amor, separação, traição, exílio, mas também sobre o poder da imagem e da linguagem na transformação e no enobrecimento até mesmo da experiência humana mais vulgar ou desacreditada”.

“Como selo sobre teu coração” foi sua primeira grande mostra individual. Ele tinha 32 anos na época. Outras exposições estariam por vir. Ao falecer quatro anos mais tarde, Robert deixaria um duradouro legado.


Erica, carvão sobre papel, 1990.

ACIDENTE

Em 1989, houve outra exposição, chamada “Acidente”. Ela apresentava uma série de 30 imagens dramáticas e assombrosas de carros e ferros velhos que exploravam a relação das pessoas com a tecnologia e seus ambientes. As telas eram de um realismo gritante, por ele chamado de “realismo em camadas”. Conforme descrito no panfleto da mostra, Pope “conseguiu penetrar o clarão da sexualidade explícita e retratar a tensão psicológica básica entre tecnologia e humanidade moderna”. A maioria dos críticos observou uma qualidade onírica em seus quadros.

CURA POR MEIO DA ARTE

Entre 1982 e 1989, muitas das obras de Robert foram criadas em momentos de medo e dor, causados pelo diagnóstico e tratamento do câncer. Em 1985, os médicos disseram que ele estava em remissão, ou seja, não havia sinais de atividade da doença, o que não significava, porém, cura definitiva. Ele então resgatou a experiência com a doença para capturá-la em sua arte. Em 1988, Robert voltou ao Hospital Princesa Margaret para conversar com os funcionários e os pacientes. Visitou outros hospitais e teve permissão para assistir a cirurgias. Visitou também laboratórios clínicos e de pesquisa. Embora fosse incômodo retornar ao local em que havia adoecido tanto, considerou esse esforço parte do processo de cura. Começou então a fotografar, desenhar e pintar.

MARCEL DUCHAMP, HANK SNOW E BRUCE SPRINGSTEEN

Robert foi influenciado por várias pessoas e admitia isso abertamente. É possível ver Goya no quadro do doutor Langley e em outros as influências de Edvard Munch, da Bíblia e de Elizabeth Smart. Um dos quadros teria sido influenciado por uma canção de Elvis Presley ou Hank Snow, outro pelas visões de Marshall McLuhan ou por uma letra de Bruce Springsteen. Sua iluminação reflete Caravaggio em alguns quadros, film noir em outros. Várias obras, sobretudo as em preto e branco, possuem luminescência e brilho únicos.

Ele se referiu a Marcel Duchamp para explicar seu forte envolvimento com o espectador em suas telas. O plano de visualização vem de alguém olhando da cama ou da mesa de exame, sempre mostrando apenas a metade inferior do corpo do espectador, com os pés separados em posição de mira. Marcel Duchamp acreditava que apenas no momento em que o espectador estava lá é que a obra estava completa.

No final do século XIX, os pintores se afastaram da comunicação com grandes públicos. Os cineastas assumiram essa posição. Várias das imagens de Robert são as da visão de uma câmera. Em minha opinião, a televisão e o cinema foram suas grandes influências. Robert sempre trabalhava com uma câmera e uma pilha de fotos que cortava e colava para montar seus quadros. Nós, espectadores, éramos colocados na tela e nos tornávamos parte da obra.

Seus trabalhos se assemelham à narrativa de um filme, com os múltiplos desenhos de um storyboard. Nas notas da Galeria sobre a exposição “Como selo sobre o teu coração”, Robin Metcalfe comentou que os quadros eram como as estações da cruz, que faziam recordar os incidentes de uma paixão. Eu os vejo como diagramas soltos de um storyboard usado para o planejamento das ações e das cenas de um filme. Muitos deles são parecidos com clipes de um filme em stop motion, principalmente as telas em preto e branco.


Câncer, acrílico sobre tela, 1990.

IMAGENS DO CÂNCER

Quando encontrou seu ambiente, sua visão e sua direção, Robert se tornou apto a abordar aquilo que tinha ocupado seu pensamento e sua vida desde que concluiu a graduação na faculdade de artes: o câncer. Ao falar sobre esse estágio de sua obra, afirmou: “Aquilo que acontece no mundo desesperador e silencioso do câncer revela nossa própria cultura de forma profunda. Busco mostrar o que realmente acontece, aqueles que melhoram, aqueles que morrem, os médicos, os tipos de tratamento, as famílias daqueles que sofrem. Tento explorar a psicologia do câncer e desafiar as percepções de saúde e doença. Ao lidar com o assunto, espero não apenas expressar minha própria experiência, mas ser a voz de milhares de canadenses atingidos por essa enfermidade”.

Robert queria mostrar que a vida pode ser traiçoeira, mas que os relacionamentos e a espiritualidade eram a cura, que sempre há esperança e morrer não é algo necessariamente ruim. O câncer pode trazer uma experiência devastadora, porém, deve ser discutido de forma aberta e realista. Ele não acreditava na arte feita exclusivamente para a elite. Contudo, reconhecia que seus retratos eram multifacetados e lidos em diferentes níveis. O câncer, a doença e a vida eram considerados complexos e pessoais, e ele queria representar a experiência completa.

Seu livro “Doença e cura: imagens do câncer” (Illness and healing: images of cancer) foi publicado para coincidir com a abertura de sua exposição na Galeria de Arte Dalhousie, em Halifax, em novembro de 1991. Simultaneamente, acontecia uma mostra de rascunhos e desenhos prévios dessa série em outra galeria de Halifax, a Studio 21. O livro tornou-se um best-seller na região e ganhou o Prêmio Literário Memorial Evelyn Richardson de 1992. Ele é composto de 93 quadros e desenhos acompanhados de relatos do autor, sua filosofia e história pessoal. Uma obra importante, de grande prestígio.

Alguns críticos do livro ficaram admirados com sua visão inabalável a respeito do câncer. Porém, um deles afirmou que isso era óbvio, pois ele teve sorte de ter se curado e que teria desenvolvido uma obra diferente se tivesse sido afetado por outro tipo de câncer ou se não tivesse se curado. Ironicamente, na época em que essa crítica foi escrita, Robert já havia falecido.

Após sua morte, a Fundação Robert Pope foi criada. Ela distribui um exemplar do livro de Robert a todos os alunos do primeiro ano do curso de medicina da Universidade Dalhousie; em anos recentes, promoveu a entrega dele a alunos de outras escolas de medicina no Canadá. Ela também concede bolsas de estudos na Faculdade de Arte e Design de Nova Scotia e homenageia quem contribui para a compreensão dos conceitos de cura e bem-estar. Há ainda programas voltados para pacientes com câncer no Hospital Geral Victoria e no Hospital Infantil Izaak Walton Killam, ambos em Halifax.


Doutores, acrílico sobre tela, 1990.

O REALISMO EM CAMADAS

Robert se referia a suas obras como “parábolas da vida contemporânea”, com as quais cada espectador criava sua própria história. Ele misturava mídias a fim de alcançar os efeitos que buscava: acrílico na tela e no papel, desenhos com tintas, pinturas molhadas, aquarelas ou xilogravuras. As cores frequentemente eram silenciadas e as sombras eram notáveis. “A cor é usada em composição. […] Talvez haja bastante cinza, pois é assim que enxergo as coisas, não em preto e branco. Sou atraído por situações complexas e obscuras”, disse.

Em um primeiro momento, ele esboçava suas ideias em caneta, tinta e carvão, e depois em outras mídias. Para organizar a cena, ele utilizava um grande acervo de fotografias com modelos prontos, deslocando-os para a produção de uma colagem. Seus quadros apagavam vários detalhes desnecessários e se transformavam em imagens claras e fortes. Ele utilizava imagens elementares, como aquelas descritas por Jung e Freud. A água era representada como afirmação da vida, estivesse ela escorrendo de uma torneira, invadindo a costa ou em cascata sobre as rochas. A cruz aparecia na forma de suportes de soro, torres e objetos de criado-mudo.

Ele discutia a distância existente entre indivíduos, camadas sociais e filosofias. Robert se considerava um verdadeiro artista tribal, produtor de uma obra cujo significado todos podiam compreender. Era uma abordagem curadora para uma sociedade fragmentada.

No folheto da exposição “Doença e cura” na galeria Glendon, na Universidade de York, em parceria com Allison Brannen, que também pintava o tema da doença, ele disse que sempre havia um atraso de cinco anos entre a experiência e a criação. “Durante esse período de gestação, as faculdades criativas agem como um filtro em que as informações opacas e caóticas se tornam públicas, transparentes e ordenadas. Esse é um processo de mitologização. Os mitos e os sonhos são parecidos, a única diferença é que os sonhos são particulares e com significados pessoais, enquanto os mitos alcançam significados públicos. […] A maioria dos mitos implica algum tipo de reconciliação entre o mundo físico e o espiritual. Vejo a mitologia como uma tentativa de estabelecer uma visão holística. Os mitos integram o real e o fantástico e têm como função essencial a cura”, dizia. Astrid Brunner, escritor e crítico de arte, afirmou que a obra de Robert é neorrealista e segue as tradições de Alec Colville e Tom Forrestall, embora esteja mais preocupada com temas sociais e pessoais.


Comida, acrílico sobre tela, 1989.

MÉDICOS APRENDEM COM A ARTE

A medicina sempre foi tema para a arte. Os quadros medievais retratam o doente e sua família, com ajudantes ao redor do leito, onde o médico está sempre parado atrás dos outros, fitando o olhar pensativo em um frasco de urina sob um foco de luz. É possível enxergar a anatomia fria nos trabalhos de Michelangelo e Da Vinci ou a combinação social de médicos elegantes nos artistas holandeses. A cena famosa de Sir Luke Fildes na beira da cama, intitulada “O doutor”, ilustra o foco do artista no médico, e não na criança próxima da morte ou dos pais assustados nas sombras. Por quase toda a história da medicina, as imagens foram criadas por artistas que visavam os médicos, os doentes e os moribundos de maneira independente. Robert não buscava apenas chamar a atenção do espectador para a cacofonia das emoções de se estar doente, mas também torná-lo um participante do evento.

Todos nós que trabalhamos com enfermidades temos muito a aprender com a arte de Robert Pope. Como médico, passo muito tempo em hospitais com pacientes. Visito seus quartos, comento sobre o dia ensolarado lá fora e converso sobre como estão se sentindo. Vou até o departamento de radiologia, passo pelas salas de espera, encontro-me com outros profissionais de saúde e com visitantes. Porém, embora venha fazendo isso há muitos anos, nunca vi ou experimentei nada disso da forma como Robert o fez. Sua obra me proporcionou uma nova compreensão da minha realidade médica.

A experiência com a doença é universal. Embora alguns escritores tenham buscado captar a dor, o sofrimento e a solidão das doenças crônicas, bem como a possibilidade de morte, tudo isso é raro em tela. Robert revela uma experiência maior, com contexto familiar, amigos, médicos, quartos de hospital e maquinários. Essa experiência é do tipo que somente pode ser sentida e enxergada por alguém que teve câncer. Como médico, considero a arte de Robert poderosa, perturbadora, constrangedora e maravilhosa.

Ele ensina a comunidade médica a enxergar com novos olhos aquilo que vemos todos os dias. Uma mulher doente e pálida deitada na cama, com faixas cobrindo a calvície causada pela quimioterapia; seu olhar está fixo em uma seringa cheia com uma substância vermelha e ela espera pelo médico que irá injetar o medicamento que lhe trará náuseas e rigidez, esperança e vida. A pequena Erica, calva por conta da quimioterapia, estende o dedo curioso para tocar uma máquina ao lado de sua cama.

Cada retrato assombroso e onírico da experiência deveria ser foco de seminários nas faculdades de medicina. Eles fazem reviver a experiência chocante e perturbadora de exames, tratamentos, efeitos colaterais, relacionamentos modificados. Embora Robert tenha retratado sua história pessoal com o câncer, assim como as de outros indivíduos específicos, ele acabou por retratar a experiência universal da enfermidade.


Montanha, acrílico sobre tela, 1989.

Sua perspicácia incomum não era julgadora, amarga ou cruel. Em posição de sequência, surge uma força espiritual. O simbolismo de cruzes, pacientes, familiares e equipe médica indica uma necessidade crescente de espiritualidade e recursos interiores à medida que a pessoa conhece as expectativas e os limites da ciência. Ele não rejeita um pelo outro, mas une a necessidade das habilidades pessoais aos benefícios da medicina moderna. A obra de Robert me traz poderosos ensinamentos a respeito da minha realidade de médico. Todos podemos nos identificar com a natureza frágil da nossa saúde, bem como de nossas vidas e realidades cotidianas, e por meio dessa visão enxergar esperança e salvação.

ÚLTIMO DISCURSO DE ROBERT

As palavras de Robert servem de conclusão. Em entrevista à rádio CBC em 1992, ele disse: “Durante o tempo em que estive doente, houve certos momentos em que eu sentia dor e me recordo de algumas vezes pensar que seria maravilhoso se eu pudesse somente viver sem as dores. Mas, se você começa a pensar em todas as coisas que podemos desfrutar da vida, como simplesmente conseguir respirar ou apreciar a comida, a companhia de amigos e de pessoas que você ama, as possibilidades então se multiplicam. Há tanta riqueza no mundo de que podemos aproveitar. A sensação de nascer de novo e de uma quase superabundância de coisas boas são o que me invadem”.

E em seu livro ele conclui: “A arte é uma poderosa medicina preventiva. Olhar para um quadro é como caminhar por uma série infinita de portas, em que cada porta à frente nos leva a uma experiência rica e cada vez mais profunda. Essa viagem estimula nossas mentes, emoções e almas e nos torna mais vivos. Por fim, a experiência estética nos cura e nos torna completos”.

Fonte: Revista Medicina CFM ED. 1 JANEIRO/ABRIL 2013 P. 22

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