PETRARCA E O HUMANISMO


// Armando José d’Acampora*

// Roberto Luiz d’Avila**

 

O poeta italiano e o primeiro humanista, Francesco Petrarca, nasceu em Arezzo (Toscana) e morreu em Padova (Vêneto), ambas cidades da Itália (1304-1374). Petrarca foi o inventor do soneto de 14 versos, conhecido como petrarquiano, decassílabo (ou italiano) para diferenciar do Alexandrino, dodecassílabo (ou francês) e do shakespeariano (ou inglês). Petrarca aperfeiçoou a conhecida forma do soneto, herdada de Giacomo da Lentini, e que Dante amplamente usou.

Baseado nos escritos de Petrarca, Dante Alighieri e Giovanni Boccacio, seus amigos, foram extremamente influenciados.

Petrarca foi, ainda, tratadista, historiador, filólogo, latinista, filósofo, ficando conhecido como o pai do Humanismo, filosofia que levou à Renascença. Foi essencialmente o humanista que marcou, definitivamente, o pensamento ocidental, modificando os conceitos de poética, retórica e das humanidades em geral. Além disso, acreditava na história como um dos pilares do pensamento humano e pode-se dizer que Petrarca revolucionou, também, a historiografia.

Travou batalhas contra o movimento escolástico e contra o aristotelismo e o racionalismo vigentes na Europa medieval. Diferenciou, claramente, as artes mecânicas das artes liberais, colocando a primeira como subalterna da segunda, sendo esta composta pela Filosofia Moral, que compreendia o Direito e as Letras. Para o grande humanista Petrarca a Filosofia Moral reconduziria o homem à sua própria essência (o seu interior), buscando a perfeição.

A descrença e a irreligiosidade de sua época, segundo Petrarca, eram causadas pelo naturalismo do pensamento árabe de Averróis e pelo uso indiscriminado da lógica e da dialética para analisar áreas do conhecimento que não lhes são próprias. Petrarca acreditava que, para solucionar os problemas da fé e da religião, deveria direcionar os estudos para a própria alma, devendo voltarmo-nos a nós mesmos, sendo esse um dos primeiros princípios do humanismo.

Estudou em Montpellier (França) e Bolonha (Itália) onde cursou Direito e Teologia, como era vontade de seu pai. Em Avignon (cidade do sul da França), conhecida como a residência dos Papas por quase 70 anos, escreveu sua primeira obra: Africa, sobre o grande general romano Scipio Africanus, e com este trabalho se tornou celebridade européia.

Após a morte do pai, em 1326, Petrarca voltou à Avignon, onde trabalhou em vários e diferentes empregos burocráticos, tendo assim mais tempo livre para trabalhar em seus escritos.

Em 1341, na Páscoa, Petrarca foi consagrado, na sala do Capitólio, em Roma, com o louro que representava a coroação dos poetas, tão desejado e o maior prêmio literário da época. Petrarca estava com quase 37 anos, submeteu-se ao exame em Nápoles, que consistia numa sabatina sobre o conteúdo de sua poesia e sobre suas futuras composições literárias. Foi nessa época que alterou seu sobrenome de família (Petracco) para Petrarca, latinizando-o.

Colecionava manuscritos latinos antigos revelando o conhecimento da Grécia e Roma antigas. Foi um dos tradutores da primeira edição latina de Homero e descobriu inéditas cartas de Cícero (Ad Atticum), em 1345, na Biblioteca Capitular de Verona.

Quando Florença criou sua Universidade (1351) Petrarca foi convidado, por um grupo de amigos, para assumir uma Cátedra, mas acabou recusando-a, sem deixar escrito as causas da renúncia, indo para Milão fixar residência, dois anos após.

Baseado nos trabalhos de Petrarca, Dante Alighieri e Giovanni Boccacio que Pietro Bembo criou, no século XVI (dois séculos depois de Petrarca), o modelo da língua italiana moderna, adotado pela Accademia della Crusca, a mais prestigiada instituição linguística italiana, ainda em atividade. É dito que Petrarca é o autor da expressão “Idade das Trevas” para definir a Idade Média.

O nome de Petrarca está associado intensamente ao de Laura, a mulher amada, que ele canta em Rerum vulgarium fragmenta e celebrada nas Rime sparse. Poetas renascentistas copiaram o estilo de Petrarca e nominaram a coleção de 366 poemas de Il Canzoniere, conhecido como O Cancioneiro, por antonomásia. A maioria dos seus poemas eram sonetos. Petrarca conheceu Laura em 1327, mulher de um nobre francês, na Igreja de Santa Clara de Avignon, que despertou em Petrarca uma paixão platônica duradoura, Provavelmente, Laura pode ter sido Laura de Noves, esposa de Hugues de Sade. Petrarca sempre negou a acusação de que ela possa ter sido um personagem idealizado ou com pseudônimo falso (visto que o nome Laura tem semelhança com láurea). Sua presença causava no poeta uma alegria indescritível, mas seu amor não-correspondido criava desejos instantâneos. Entre Laura e Petrarca não existiu nenhum contato pessoal, haja vista que ela o recusava porque já era casada. Petrarca, apaixonado, canalizou estes sentimentos para os poemas de amor que eram exclamatórios e escreveu prosa em que mostrava seu desprezo por homens que buscavam mulheres.

O compositor romântico Franz Liszt musicou alguns dos sonetos de Petrarca, na obra Tre sonetti del Petrarca.

Petrarca demonstrou uma inquietude que o levou a viajar por grande parte da Itália e da Europa, visitando bibliotecas, lugares e monumentos antigos. Periodicamente, porém, recolhia-se em lugares solitários para meditar e escrever.

Sua extensa e rica biblioteca foi doada para a cidade de Veneza e faz parte da Biblioteca Marciana.

Em 1374, Petrarca foi encontrado morto, em sua residência, com a cabeça recostada sobre um volume de Virgílio.

 

*Armando José d’Acampora é médico-cirurgião geral e proctologista, Doutor em Medicina e professor aposentado da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e da Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL). Atualmente é Coordenador, em Santa Catarina, da Cátedra de Bioética Lusófona da Unesco (sede em Portugal) e membro da Câmara Técnica de Bioética e da Comissão de Humanidades Médicas do CFM.

**Roberto Luiz d’Avila é médico cardiologista, especialista em Bioética, Mestre em Neurociências e Comportamento e professor aposentado da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Foi Presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM). Atualmente é professor da Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL) e membro da Câmara Técnica de Bioética e da Comissão de Humanidades Médicas do CFM.