A robotização da medicina


// Luiz Roberto Londres

 

Xamãs > Sacerdotes > Filósofos > Beneficentes > Cientistas > Técnicos > Robôs

 

A arte da cura, em suas origens, era praticada por magos e xamãs. Eles estavam acima das demais forças em suas tarefas, não dependiam de deuses, criavam as situações que os levava ao êxito em seus tratamentos. Estavam acima dos próprios deuses, fossem eles do mal ou do bem, tantas vezes mudando um destino que já estava traçado por essas divindades. Eram, sem dúvida, as personalidades mais respeitadas nas sociedades pré-literatas.

Tempos depois, nas culturas egípcia e mesopotâmica, esse papel cabia aos sacerdotes que eram os representantes dos deuses. Seu prestígio continuava inalterado, mais sublime e menos ameaçador. Seu prestígio continuava inalterado em relação à admiração e ao respeito a eles devidos.

Na Grécia antiga o médico passa a ter origem em um semideus – Asclépio – e passam a ser simplesmente humanos tratando de humanos. Passam a ser filósofos tratando principalmente das áreas abstratas tendo um centauro – Quiron – como o representante do tratamento dos males físicos. E a Medicina ganha um pai terrestre: Hipócrates.

Mais um passo e estamos na cultura romana pré e pós-cristãs com suas ramificações. O papel do médico assume basicamente um cunho caritativo e Cristo é o seu grande representante (quase todos os seus milagres são da área da Medicina).

Vesalius no século XVI e Descartes no século XVII trazem direta ou indiretamente o cunho científico da Medicina. As análises objetivas e lógicas, pouco a pouco passam a desprezar o que não pode ser apreendido pelo pensamento racional. Proliferam escolas médicas e o prestígio do médico continua alto.

A ciência desenvolve o seu braço armado, a tecnologia que, no início timidamente e que a partir do final do século XX passa a ofuscar todos os estágios anteriores da Medicina. Às máquinas, sem cérebro, são pouco a pouco delegados os diagnósticos, abrindo-se mão do raciocínio clínico e da história natural da doença. A vinda do “chip” acelera essa situação.

Recentemente outros invasores estão desfigurando a atividade médica. São aqueles que deveriam servir à Medicina, mas dela se servem. Intermediários financeiros e fornecedores de medicamentos, materiais e equipamentos. Com essa invasão é dupla a nova perversão dos profissionais da Medicina; o médico dirige o seu pensamento para o dinheiro, e troca a reflexão a respeito dos achados e indicações, por movimentos reflexos sem o menor raciocínio clínico.

Invasores outros, as gestões e as determinações judiciais ambas desconhecendo a complexidade da atividade médica apagam de vez o raciocínio clínico em função de ordens “superiores” que devem ser cumpridas sem maiores discussões, através de protocolos, normas e leis que, sem o menor pudor, desconsideram o médico e sua ação.

E, finalmente, tanto o Código de Ética Médica do Conselho Federal de Medicina quanto a Constituição Federal, bem como diversas leis e decretos que sempre visaram proteger o paciente, passam a ser ignorados e descumpridos. E o médico progressivamente perde a noção de raciocínio clínico para ser um robô obedecendo a determinações vindas, muitas vezes sem qualquer espírito crítico, de pessoas ou instituições que estão à margem da atividade médica.

 

 

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* Luiz Roberto Londres é membro da Comissão de Humanidades Médicas do CFM