O reducionismo da Medicina


// Luiz Roberto Londres*


Terapêuticas Diversas > Apenas Alopatia

Tive a honra de ter sido convidado para com ele trabalhar pelo Professor Carlos Chagas Filho, Diretor do Instituto de Biofísica da Universidade do Brasil e titular da cadeira na então Faculdade Nacional de Medicina.

Foi ele o meu primeiro contato com nossa profissão e, a cada tempo que passa, aumenta o meu orgulho em relação à nossa convivência. O ano era 1959 e em julho fui convidado para participar do Congresso Internacional de Fisiologia, presidido pelo Prêmio Nobel, Bernardo Houssay. A maior produção brasileira era do nosso Instituto. Em 1972 foi convidado para presidir a Pontifícia Academia de Ciência no Vaticano e lá ficou por 16 anos. Foi um dos (ou talvez o mais) cientistas brasileiros que mais recebeu prêmios nacionais internacionais.

Digo tudo isso para mostrar que o meu pensamento médico teve origem na área científica. Meu chefe direto, Antonio Paes de Carvalho que acabara de se formar e já era citado no “Best and Taylor”, livro de fisiologia adotado por quase todas as escolas de Medicina. À nossa volta, cientistas de reconhecimento internacional, como Chagas, e simples como ele. E com ele aprendi a humildade da Ciência que, na atualidade, se arvora em dona da verdade. “Comprovado cientificamente” era um termo nunca usado. Dizia ele que a ciência demonstrava com os dados fornecidos para estudo, um pensamento que poderia ser alterado por menor que fosse a alteração dos dados. E era o que víamos: demonstrações desmentidas por novos estudos, sem acusar de errôneos os estudos anteriores. Mostrava nas entrelinhas que a função da ciência é saber fazer as perguntas e montar os estudos. A veracidade das respostas será sempre passageira.

Chagas não aceitava verdades aleatórias. Quando disse a ele que eu iria fazer o MBA disse: “Pela primeira vez temo pela Clínica São Vicente”. Já percebia que a administração estava se tornando reducionista, como a mente da maior parte das pessoas. Eu me matriculara nesse curso logo após terminar e defender a tese do mestrado em filosofia que tinha como sub-título “Medicina – um encontro de pessoas”. Foi nesse mestrado e sempre lembrando o comentário dele, que abri as portas do conhecimento amplo da Medicina. Fui às suas origens e percebi então o que seria a ciência ela aplicada. As curas eram, dependendo de onde e da época, feitas por shamans, magos, sacerdotes, filósofos e finalmente cientistas, a partir de Vesalius. Isto nos mostra que a ciência tem pouco mais de 600 anos enquanto as curas diversas têm milênios. Por que então reduzir a Medicina a um de seus métodos de estudo?

Vemos em nossos dias a crescente conscientização dessa distorção. Cresce o interesse e a crença em métodos outros de terapia, alguns antes descartados pela alopatia e alguns reintegrados, ou seja, mostrando que as verdades científicas são passageiras. Entre outras tantas estão: Homeopatia, Acupuntura, Fitoterapia, Medicina Ayurvédica, Medicina Ortomolecuar e mais recentemente Medicina Quântica e Medicina Espiritual. A aceitação dogmática da aloterapia traduz uma crença cega de que o conhecimento parou em outras épocas. Ela tem uma ação reconhecida em situações agudas, mas há algumas dúvidas em relação às patologias cronificadas.

O estudo filosófico alargou meu campo de conhecimento. Colocava questões que eu não conseguia responder. Passei a ler, me comunicar e visitar com pensadores diversos que tinham, em relação à Medicina olhares mais ricos, fruto de observações e reflexões muito mais amplas que o olhar da Ciência. Entre outros Edmund Pellegrino e Robert Veatch em Washigton, David Thomasma em Chicago, Eric Cassell em Nova Iorque e, no Brasil Genival Veloso de França em João Pessoa e Gilberto Freyre em Recife. Esses mestres com sua envergadura pelo visto conheciam mais a Medicina que muitos professores e outros luminares da prática médica.

A Medicina jamais progredirá se nos ativermos aos conhecimentos atuais e tomá-los como verdade absoluta e imutável. Lembremos que a ciência não explica a psicoterapia nem o efeito placebo, mas aceita ambos, mesmo que os seus resultados não sejam “comprovados cientificamente”. Por que então se colocar frontalmente contra esses métodos? Devemos sempre nos lembrar que a ciência é um método de estudo e a alopatia é um modo de praticar a Medicina. Nem um nem outro são verdades absolutas. Mas são a base para desenvolvermos os novos conhecimentos.

A Medicina alopática entregou-se a medicamentos químicos com efeitos colaterais e custos crescentes, a cirurgias agressivas por vezes mutilantes, a máquinas cada vez mais complexas, a próteses diversas, a exames de todos os tipos e passou a desconsiderar a integralidade do paciente. Todos eles podem ter um uso, mas rapidamente se institucionaliza o abuso. E aí está a grande contribuição das chamadas medicinas alternativas.

Crescem rapidamente em tempo e intensidade os desvios da Medicina. Mas vemos, no nascedouro, já tomando corpo, a conscientização a esse respeito, recolocando o paciente no centro de nossa atividade, para quem deve estar voltada a missão médica e entendendo que a relação médico-paciente é o cerne da Medicina.

 

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* Luiz Roberto Londres é membro da Comissão de Humanidades Médicas do CFM