O homem e a pintura


// Armando José d’Acampora*

 

Introdução 

Já fomos simples coletores. Caminhamos gradativamente para sermos coletores e caçadores, e por muitos séculos perdurou a evolução do homem, até que nos tornamos agricultores, à mercê do tempo e do relevo, quando houve a sedentarização dos homens. Toffler1 nos diz que a fase agrícola perdurou por 100 séculos, ou seja, 10 mil anos.

Então aconteceu a Revolução Industrial, que modificou todo o nosso estilo de vida e nossa geografia, pois antes trabalhávamos e morávamos no mesmo espaço – a fazenda. A partir da criação da indústria, o trabalho passou a ser realizado em um local fora da nossa moradia. Isso levou a grandes modificações, com o abandono de alguns velhos hábitos e a aquisição de outros em substituição àqueles, até chegarmos aos maneirismos ditos modernos.

O homem é um ser político, e isso já era afirmado por Aristóteles (384-322 a.C.). Torna-se óbvio que esta atividade de agregação humana ocorreu após o abandono da itinerância, quando o homem domou o trigo e alguns animais, se tornando um ser gregário, deixando de ser nômade, parando de perambular pelas planícies em busca de comida e fazendo com que modificações e especializações ocorressem entre os habitantes em pequenas ou grandes comunidades.

A habilidade de alguns homens de confeccionar pontas de pedra para suas flechas, simétricas e estéticas, perfeitas até no lixamento, mostra a preocupação com o aspecto do artefato, mesmo no instrumento de defesa ou guerra.

Há quem diga que a civilização cresceu e que o aumento demográfico e a distribuição dos povos no planeta ocorreu de acordo com a oferta de proteína (Cisne Negro) [1]. Quando passou a haver excedentes na produção de proteína (comida), iniciou-se a escolha de alguns com maiores e diferentes habilidades, os quais passaram a ter uma preocupação específica com a proteção do grupo, primeiro contra os animais que devoravam sua lavoura e depois contra os outros homens que queriam comer daquilo que plantaram sem pertencer à sua comunidade. A partir de então, quando o homem já não tinha como atividade única a busca por alimento, passamos a contar com alguém encarregado de observar e avisar precocemente sobre a chegada de tempestades, propiciando a proteção das casas e do produto das lavouras.

Mas não foi somente isso. Também houve aquele homem que desenvolveu armas para sua própria proteção contra os animais maiores e outros homens. E a evolução continuou, até que um homem descobriu que podia desenhar nas rochas com materiais como carvão e calcário, tendo a desilusão de perceber que os desenhos realizados a céu aberto, depois de um tempo, desapareciam pela ação da água da chuva.

Então passou a desenhar em rochas protegidas, nas cavernas, e num tempo um pouco mais distante descobriu os pigmentos coloridos, que nem a chuva nem o passar do tempo deterioravam. Os desenhos eram perenes. Haviam descoberto a magia das cores e seu poderoso contraste. Quanto mais antiga é a utilização de cores, mais rudimentar é seu processamento. Na Pré-História, a argila e a água eram misturadas com as mãos a plantas e depois utilizadas sobre o próprio corpo ou sobre as rochas.2

Os desenhos nas rochas parecem ter sido o início dessa arte, pois o homem já não precisava percorrer longas distâncias em busca do alimento, uma vez que este já estava assegurado por uma produção mais que suficiente para sustentar todos os membros do ajuntamento de pessoas que se auxiliavam nas tarefas diárias. Os homens se distribuíam entre as várias tarefas necessárias na comunidade, e alguns se voltaram para os primeiros esboços de arte – rudimentar no início, mas sempre em evolução.

A cada período da civilização se percebe o progresso na qualidade dos desenhos, inicialmente alguns poucos caracteres, simples esboços, e depois desenhos completos de animais. Nesta evolução se encontraram desenhos completos dos mais diversos animais, figuras humanas, lutas entre homens e animais e entre os próprios homens, e até algumas cenas de guerras.

Tendo a necessidade primária de alimento resolvida, o homem desenvolveu aquilo que hoje denominamos cultura, com desenhos, danças, crenças e até a escrita. Como bem escreveu Millôr Fernandes, “Um fato é concreto./ Quem inventou o alfabeto./Foi um analfabeto”.[2]

Desde então temos o registro gráfico da expressão humana em caracteres, pinturas em cavernas e até mesmo ao ar livre, coloridos ou não, dependendo da época em que foram desenhadas.

 

Figura 1 – Caverna de Lascaux, França. Idade das pinturas: 17 mil anos

Fonte: site Lascaux cave paintings (Google)

 

 

Os egípcios (entre 8000 e 5800 a.C.) conseguiram os primeiros tons diferenciados, com a anileira e a garança, ambas importadas da Índia. A anileira servia para obter a cor azul, e a garança era mais versátil, permitindo as cores vermelha, violeta e marrom. Os romanos fabricavam as tintas da mesma maneira que os egípcios. Com a queda do Império Romano, o ocidente só voltaria a desenvolver tintas com os ingleses, no final da Idade Média.2

 

Pintura egípcia

 

Figura 2 – Pintura egípcia

Fonte: http://www.dionisioarte.com.br/saiba-mais-sobre-a-arte-egipcia/.

 

Muitas das informações que possuímos sobre as cores se originaram das cerâmicas dos povos de outras eras, pintadas com as tintas que se conseguia fabricar na época em que foram produzidas. Assim se determina sua idade e temos uma ideia da forma de viver desse povo.

Os pigmentos para produzir a cor azul e aqueles utilizados para obter a cor vermelha eram de difícil fabricação e seu preço era extorsivo, daí serem os pigmentos utilizados pela realeza, pois só aqueles com grande poder aquisitivo poderiam adquiri-los. Já a explosão de cores ocorrida na Idade Média foi, aparentemente, em decorrência dos experimentos efetuados pelos alquimistas.3

A resultante dessa evolução foi a busca da harmonia e da mais perfeita estética, perseguida desde sempre, equalizando proporções, compondo cores, descobrindo pigmentos de vários matizes, até chegarmos aos mestres da pintura, que era caracterizada pela época em que viveram. A pintura, da mesma maneira como era encarada na Antiguidade, continuou sendo sinal de uma inteligência complexa, profunda, imaginativa e de grande criatividade, empenhada na tentativa de exprimir em cores um dado sentimento ou mesmo um momento vivido, que pode ser atribuído a uma pessoa (como nos retratos), à natureza ou à crença (pinturas sacras).

Os bizantinos tinham paixão pelo prateado e pelo dourado, cores que serviam de fundo para seus quadros e mosaicos, sendo este último a grande expressão artística bizantina.

 

Figura 3 – Igreja da Ressureição, Istambul

Fonte: site arte bizantina mosaico (Google)

 

Mas Giotto (século XIII) mudou isso. Passou a integrar a natureza que conhecia e as pessoas aos seus afrescos e, com esta mudança, acrescentou muitas cores e vivacidade à sua arte. Já Ticiano (século XVI) introduziu a pintura a óleo.

A ideia básica deste trabalho é oferecer uma visão dos pintores que são considerados de extrema importância na pintura antiga e atual, desde o século XIII.

 

 

Referências 

  1. TOFFLER, A. A terceira onda. Editora Record, Rio de Janeiro, 1984. 491p.
  2. Disponível em: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2017/02/16/Qual-a-história-dos-pigmentos-azuis-e-sua-trajetória-na-arte.
  3. Disponível em: https://pt.scribd.com/doc/1501637/A-evolucao-do-uso-das-cores-na-pintura.

 

* Médico, Cirurgião Geral e Proctologista do Imperial Hospital de Caridade e do Hospital Baia Sul; professor de Técnica Operatória e Humanidades Médicas da Unisul Pedra Branca, acadêmico da Academia de Medicina de Santa Catarina e da Academia Desterrense de Letras; Conselheiro do Conselho Regional de Medicina de Santa Catarina (CRM-SC); e membro das Comissões de Humanidades e Bioética do Conselho Federal de Medicina (CFM).

 

[1] Taleb, N N – A Lógica do Cisne Negro, 2011. 464p

[2] Fernandes, M. Millor Definitivo. A Bíblia do Caos. Porto Alegre: L&M, 2014, 544p