O paciente, o médico e o espelho


A valorização histórica da aparência direciona a construção individual da autoimagem. A pesquisadora francesa Michelle Perrot afirma que toda história é história contemporânea: tem um compromisso com o presente e interroga o passado, tomando como referência questões que fazem parte de nossa vida, como os significados das aparências. Reportando-se, então, ao ambiente médico e considerando cada indivíduo como um ser completo e complexo, cabe o questionamento: para a Medicina, qual a relevância da autoimagem desenvolvida pelo paciente sobre si mesmo no processo de cura?

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//Thaís Dutra

A aparência está repleta de valores simbólicos, muitas vezes moldados por contextos sociais que exercem forte impacto sobre o indivíduo. Sobre o doente, a construção da autoimagem é afetada em casos que o corpo sofre alterações. A mastectomia, a laringectomia total, a paraplegia e o vitiligo são exemplos. Dado o diagnóstico, o ser humano vê suas prioridades alteradas sem que ele detenha o controle sobre elas ou sobre o curso que seguirão.

Nancy Etcoff, doutora em psicologia pela Escola Médica de Harvard, afirma que o parecer bonito possui valor de sobrevivência e que a sensibilidade à beleza é uma adaptação biológica governada por circuitos no cérebro formados por seleção natural.

Estereótipos limitam, ao longo da vida, a inserção dos indivíduos em contextos sociais e vinculam a conquista de uma beleza já conceituada como pré-requisito à socialização. Nesse processo, o indivíduo se constrói a partir do meio em que está inserido.

Nesse sentido, Mary Del Priore, doutora em História Social, ressalta que a feiura é vivida como um drama. Na doença, a imagem refletida no espelho pode ser ainda um catalisador dos outros dramas existentes.

“O paciente ou padecente tem uma patologia, ou seja, sofre do que é anormal ou patológico. Ele sai do meio da compacta maioria, precisa ser afastado para receber tratamento. Passa a fazer parte de um grupo: dos doentes. Já se sente diferente, um pouco inferior por não ser capaz – ainda que temporariamente – de realizar todas as atividades que a ampla maioria consegue. Tudo isso pra voltar a ser ‘normal’, buscando os parâmetros de normalidade pra retomar o seu status anterior”, analisa o psiquiatra Fabio Aurélio, pós-graduado no Hospital de Base do Distrito Federal e especialista em dor pela Universidade de São Paulo (USP).

Médico chefe do Departamento de Cirurgia do Hospital Aristides Maltez (HAM) e presidente da Sociedade Brasileira de Cancerologia, Robson Freitas de Moura, ressalta que, “os pacientes com câncer, por exemplo, preocupam-se não apenas com a resposta ao tratamento, mas também com os resultados estéticos e funcionais”.

Diante disto, os efeitos colaterais mais comuns podem ser divididos em dois grupos: os definitivos – como mastectomia, laringectomias, amputações de membros e linfedema pósmastectomia – e os transitórios: queda dos cabelos, vômitos, emagrecimento e edemas.

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DOENÇA QUE ATROPELA

Qual é a função do médico nesse processo de reconstrução da autoimagem do paciente? Para Cícero Urban, médico oncologista e mastologista, “a doença nos atropela. O médico precisa saber identificar, pelo menos, alguns fatores que podem levar pacientes a terem imagens distorcidas de si mesmos e ajudá-los a superar os diversos lutos que aparecem no decurso de sua doença”.

E eles são vários: o primeiro é quando existe a possibilidade da doença, o segundo é quando ela é diagnosticada, o terceiro é decorrente do tratamento e o último das possíveis limitações impostas. “O físico e o psicológico influenciam, inclusive, na postura corporal do paciente. Então, é claro que também estarão presentes no curso da sua vida, como uma ferida crônica, ou como fantasmas que ficam dentro do armário. Deixe eles lá, onde incomodem pouco. Vivam cada dia”, aponta Urban.

A subjetividade evidencia a dificuldade de mensurar a relevância da autoimagem do paciente no processo de tratamento e cura. Há certa inquietude que permeia a atuação médica na abordagem do tema tão pouco tecnicista – mas, há áreas de atuação – como a psicologia – que adentram no universo humanista da questão.

“O médico deve ser responsável pela parte médica, para a qual é formado, exigido pelos pacientes e que ocupa uma parte essencial desta etapa: cuidar da doença”, é o que defende a psicóloga Andrea Chyla. Para ela, “mesmo diante desta responsabilidade com a vida do paciente, certos médicos já iniciam uma conversa a respeito de autoimagem, o que é ótimo, pois cria um vínculo ainda maior entre os dois. Mas, a parte do ‘falar sobre’ com tempo e devida escuta para a subjetividade deste paciente é algo apenas da psicóloga”.

O presidente da Sociedade Brasileira de Cancerologia, Robson Moura, pondera que “o médico tem papel importante neste processo, porém não sozinho: há a necessidade de outros profissionais. O tratamento do paciente com câncer, por exemplo, não envolve apenas – de maneira fria e distante – cirurgia, quimioterapia ou radioterapia, mas um tratamento integral envolvendo família, médicos e todos os outros profissionais de saúde”.

O paciente necessita ser ouvido sobre seus problemas e suas angústias; suas dúvidas e seus medos devem ser recebidos por aquele que é o responsável por seu tratamento. Mas, a subjetividade do sofrimento de quem padece extrapola as palavras e nem sempre é passível de explicação ou descrição. Ouvir relatos sem enxergar o paciente, sem reconhecer seu comportamento humano seria uma leitura parcial e incompleta.

“Pela linguagem do corpo, você diz muitas coisas aos outros e eles têm muitas coisas a dizer para você. Também nosso corpo é, antes de tudo, um centro de informações para nós mesmos. É uma linguagem que não mente”, afirmam Pierre Weil (doutor em psicologia) e Roland Tompakow, autores do livro O Corpo Fala.

Tais efeitos têm grande interferência na decisão do paciente sobre realizar o tratamento ou não, chegando a casos em que há negativa de realização. Quando isso acontece, faz-se necessário um trabalho de equipe – que envolve médicos, fisioterapeutas e psicólogos, conta Moura.

RESPONSABILIDADE MÉDICA

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Ver o paciente além da doença e mostrar-se como alguém tão humano quanto ele é um desafio e uma proposta de vida profissional a ser desenvolvida não somente por médicos que lidam com casos de grande repercussão corporal, como amputações, paraplegias e queimaduras, mas também dentro de cada consultório, pronto-socorro, centro obstétrico ou outro ambiente em que esteja firmada a relação médico-paciente.

Ao médico cabe a responsabilidade pelo ambiente em que está com seu paciente. À frente da equipe, ele é o responsável por mostrar a seus pares que ali há um ser humano fragilizado e vulnerável que não será submetido somente a uma intervenção técnica, mas primordialmente humano-científica.

Diretor do Centro de História e Filosofia das Ciências da Saúde da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Dante Gallian afirma que “o processo de desumanização é uma das consequências do divórcio entre a medicina e as humanidades que ocorreu principalmente a partir de fins do século 19. Entender o desenvolvimento histórico e recolocar o papel das ciências humanísticas no contexto da formação parece ser o caminho necessário para a (re)humanização da medicina”.

Na relação médico-paciente pode estar o caminho para que a reconstrução da autoimagem do paciente interfira positivamente no processo de cura – “pois, o que se chama de autoimagem – sendo algo que se constitui de maneira tão primordial e central no psiquismo de cada um – tem uma enorme influência no curso de uma doença, algumas vezes desde sua instalação até o seu tratamento”, afirma Letícia Goulart Barreto, psicóloga clínica de orientação psicanalítica.

O médico Cícero Urban diz que, “em uma sociedade como a nossa – que cultua a aparência e que vive em um vazio de relações líquidas, sem consistência e profundidade, como dizia Zingmunt Baumann – a doença é algo muito triste e bem mais difícil de ser enfrentada do que no passado. Além disso, infelizmente, a maioria dos médicos não está preparada para ajudar os pacientes a superar os seus medos e o seu sofrimento. Isto ainda está fora do currículo médico”.

Relatos de tristeza não retratam obrigatoriamente uma depressão. Sofrimento vivido pelo paciente devido à sua autoimagem não precisa encontrar um número na Classificação Internacional de Doenças (CID) para ser reconhecido, para existir aos olhos da medicina. Esta não passa, necessariamente, pela medicalização e o retorno à humanização aponta um caminho promissor a ser percorrido.

O psiquiatra Fabio Aurélio Leite relata o que muitas vezes passa pela cabeça dos pacientes, que se questionam se o médico teria entendido o seu sofrimento psico-social. Percebem que este profissional é muito enfático no tratamento físico, mas não comenta nada além disso. Parece atualizado com o que existe de mais moderno e avançado em termos de diagnóstico e tratamento, parece “moderno tecnicamente, mas antiquado no aspecto humano”. Mas os pacientes esperam que o médico pergunte como se sentem. “Parece que a medicina continua numa certa dicotomia corpo e alma na formação dos médicos”, conclui o psiquiatra.

O PESO DO FEMININO

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A prática social que permeia o universo feminino remonta-se ao século 14, quando – até meados do 15 – viveu-se o período de caça às bruxas, em que as mulheres foram reprimidas e condenadas como gênero maligno. Em períodos anteriores, a preocupação com a aparência do corpo era proibida, pois o bem da alma estava acima de aspectos materiais.

“As mulheres, em especial, podem se ver socialmente definidas, em grande parte, pelo que elas aparentam. Muito mais do que os homens, elas têm a tendência de igualar o seu valor próprio à sua imagem corporal e à crença de como os outros as vêem”, afirma a doutora em psicologia April Fallon no artigo “Cultura do espelho: determinações socioculturais da imagem corporal”.

Historicamente, a construção do feminino foi direcionada pela supervalorização da aparência. Os corpos tornaram-se objetos a serem modelados pelas normas, representações culturais e simbólicas do meio social. A socióloga Christine Détrez afirma que o corpo se apresenta como a interface entre a individualidade, no que tem de mais singular, e o grupo.

Tal representatividade percorre a história do feminino desde Cleópatra (que tomava banho de leite e pintava os olhos), passando pelas musas de Botticelli (madeixas douradas tingidas a limão e açafrão definem o padrão de beleza do Renascimento), exaltando mulheres de curvas acentuadas do século 19, drasticamente trocadas pelas magras minimalistas modelos do século 20 até chegar à realidade do século 21.

A psicóloga Andrea Chyla afirma que, em certas pessoas, uma pequena alteração corporal gera tanto sofrimento que leva à perda da identidade. “Independentemente do olhar do outro para o paciente, todos buscam um corpo em harmonia. Por isso, há uma diferença entre a busca da perfeição estética – muito forte na nossa cultura – e a busca do corpo saudável, ou melhor, ‘sem doença ou demonstração da mesma”.

“Penso que o medo que o paciente tem de alterar sua imagem corporal é o medo dele mesmo em não se aceitar, pois faz parte desta mesma sociedade. A mulher não se sente à vontade porque não pôde aceitar as mudanças em si. Por isso, é tão importante o tempo para que a paciente possa reconstruir uma imagem de si, para então poder lidar com o olhar dos outros”, reforça.

Conceitos: O reflexo de mim

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Autoimagem é a figura que o indivíduo constrói, em sua mente, sobre o próprio corpo. É o ‘como se vê’, é a ilustração de si próprio que associa fatores físicos – como tamanho e forma corporal – a interferências emocionais até a construção da figura final.

Juan Mouriño Mosquera, pedagogo especialista em psicologia, define autoimagem como (re)conhecimento do indivíduo de si mesmo a partir de suas potencialidades, sentimentos, atitudes e ideias.

Sendo subjetivo, tal reconhecimento pode gerar distorções vivenciadas pelo indivíduo e, nesse contexto, a autoestima aparece como um dos fatores psicológicos que interferem nessa construção. De acordo com Mouriño Mosquera, autoimagem e autoestima estão intimamente ligadas ao processo de identidade e, para Alfredo Goñi e Arantza Fernández (autores de El autoconcepto físico), autoestima é o apreço que cada qual sente por si em uma vertente afetivamente avaliativa.

“Autoestima e bem estar contribuem para a cura, pois favorecem positivamente a resistência imunológica do indivíduo. Está comprovado que as drogas não são únicas em melhorar ou curar os indivíduos das doenças, mas sim sua própria autoestima e capacidade de ser feliz. Somente a força interior é capaz de mudar atitudes e superar desafios”, conclui Denise Steiner.

DISMORFOFOBIA

A autoimagem que cada indivíduo constrói sobre si pode gerar efeitos diversos e um deles é o Transtorno Dismórfico Corporal (TDC), doença também conhecida como Dismorfofobia, Síndrome de Distorção da Imagem ou Body Dysmorphic Disorder.

Caracterizado por uma preocupação exagerada com um defeito mínimo ou imaginário na aparência física, o TDC foi conceituado pela primeira vez, em 1886, pelo psiquiatra e antropólogo Enrico Morselli como “um sentimento subjetivo de feiúra ou defeito físico no qual os pacientes sentem que são observados por terceiros, embora sua aparência esteja dentro dos limites da normalidade”. Apesar de ser descrita há mais de um século, o conhecimento sobre dismorfofobia ainda é esparso.

Comumente confundido com Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC), a versão revisada do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV-TR) da Associação Americana de Psiquiatria aponta que é característico do TDC o sofrimento clinicamente significativo ou o prejuízo no funcionamento ocupacional e social. Em geral, desenvolve-se uma morbidade expressiva e há tendência ao isolamento progressivo evitando, assim, o convívio social.

Pacientes com Síndrome de Distorção da Imagem, geralmente, não buscam tratamento psiquiátrico – mas, atendimento com especialistas em cirurgia plástica ou dermatologia para tratarem suas imperfeições – que creem ser reais. Casos extremos levam a lesões autoinfligidas, amputações de membros sadios por decisão do paciente e suicídios. O tratamento de Dismorfofobia envolve terapia cognitivo-comportamental e medicamentos.

UMA QUESTÃO DE IMAGEM

O processo de construção do ‘eu’ se inicia com experiências sensoriais com o meio que nos cerca, mesmo quando ainda estamos no útero. Levados a princípio por reações instintivas, construímos – assim – uma espécie muito rudimentar de ‘gosto’.

Posteriormente, a imagem adquire um papel importante e serve como elemento fundamental de presença no mundo, nossa e dos outros. Assim o psiquiatra Fabio Aurélio estrutura o caminho percorrido para a consolidação da imagem, do visual que, de maneira contínua e mutável, constrói a autoimagem.

Sendo um fator subjetivo, a vivência da aparência, do belo e do feio pelo paciente é um desafio que precisa ser encarado pelos médicos por interferir no bem-estar e na autoconfiança do padecente. Podendo, inclusive, repercutir na decisão dele sobre buscar a cura ou não.

“A autoimagem supera a estética, tanto para o bem quanto para o mal, e pode interferir no tratamento. O paciente pode construir a imagem de que está curado e isso ajuda no tratamento tanto do câncer quanto do vitiligo, por exemplo. Mas, ele também pode se ver de uma forma muito pior do que a realidade”, alerta Denise Steiner, presidente da Sociedade Brasileira de Dermatologia. Para ela, a autoimagem é crucial para a resposta clínica e o prognóstico da doença.

Crenças e valores construídos e adquiridos ao longo da vida fazem parte da representação de si próprio que cada ser humano possui, o que o leva a ver o mundo e a si de forma única e dinâmica.

Cícero Urban, oncologista e mastologista professor de Bioética e de Metodologia Científica da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), analisa: “nós, médicos, precisamos aprender a identificar e a utilizar estas qualidades em favor do paciente durante o período em que ele está enfrentando a doença. O fator humano por detrás de doenças graves e potencialmente mutilantes pode interferir positiva ou negativamente em diversos aspectos.

Segundo Urban, no câncer de mama, “isto nos preocupa muito, pois o medo da mutilação, da perda da feminilidade e da qualidade de vida, muitas vezes afastam as mulheres da busca de tratamento especializado. Eu sempre digo, precisamos desmistificar a doença. Trazer a mesma para o nosso cotidiano sem criarmos monstros, que muitas vezes são maiores do que a realidade”, completa.

Personagem: Doutor, está me vendo?

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Paciente diagnosticada com câncer de mama em 2012, Flavia Flores assustou-se, desesperou-se, revoltou-se, correu para baixo da mesa do médico e sofreu. “A mastologista me disse: você passará por um tratamento e daqui um ano voltará a ser o que era, agora vai retirar as mamas, engordar, perder os cabelos – mas, depois de um ano, tudo voltará ao normal”. Flavia sofreu, mas decidiu: “eu vou me reconhecer no espelho”.

“Quando eu acordava e me olhava no espelho era um pouco assustador. Isso mexeu com a minha autoestima e da minha família inteira. Ninguém gostava de me ver daquele jeito. Aquela cara de quem saiu da quimioterapia ou passou por todos os efeitos colaterais é muito difícil de ser encarada e eu não queria ser uma casca irreconhecível. Mas, uma boa maquiagem resolve e eu percebi isso logo. Usei todos os artifícios de beleza para parecer a mesma Flavia de sempre e essa foi a intenção: me reconhecer no espelho.”

A psicóloga Andrea Chyla explica que, “quando uma paciente tem uma visão muito rígida de sua imagem, isso pode vir a dificultar todo o processo porque muitas vezes todas as mudanças provenientes da cirurgia ou tratamento serão sentidas com mais sofrimento para esta paciente”.

Na quimioterapia, diz, a queda de cabelo é uma exposição da doença, é muito difícil a paciente se adaptar a esta mudança de imagem tão rápida e tão ligada à imagem da doença em si.

“Mesmo assim, algumas pacientes – apesar de sofrerem com as mudanças – têm uma condição emocional que as permite enfrentar este momento como efêmero e podem usar até mesmo a criatividade para lidar com esta nova imagem”, acrescenta.

Quando perguntada sobre a importância da equipe médica nesse processo de redefinição de sua autoimagem, passando pela recuperação da autoestima, Flavia Flores respondeu tranquila e naturalmente: “nenhuma. Meus médicos estavam preocupados em curar a minha doença e não com a minha beleza. Eles viram tudo o que eu fiz, mas nunca incentivaram. O hospital não tinha essa preocupação humanística e o importante é que eles me curaram”, ressaltou a paciente que conseguiu “ir na contramão”.

“Tratar, cuidar, acolher, se interessar são funções de toda a equipe de saúde – se definirmos saúde como bem estar físico, emocional e social. No entanto, o médico muitas vezes também está doente e estressado, não consegue enxergar o indivíduo como um todo. Além disso, a escola de medicina não favorece a formação humanística. O médico, dentro do possível, deve usar seu potencial humano para conhecer e tratar o doente além das drogas”, pondera Denise Steiner, presidente da Sociedade Brasileira de Dermatologia.

Diagnosticada com câncer de mama aos 36 anos, Flavia Flores sentiu-se abandonada após o diagnóstico. “Meus amigos não me ligavam e muitos nem atendiam a meus telefonemas. Pensei: ‘que estranho, estou me sentindo abandonada. Mas, por quê? ’ Até que procurei uma grande amiga e perguntei: ‘por que você não me liga? Sabe que estou doente, nós temos anos de amizade. O que aconteceu?’ Ela me disse que não sabia o que me dizer, que estava dando um tempo para também digerir a situação. Daí eu percebi que as pessoas não estão preparadas pra lidar com a doença”.

Um dia antes de começar o tratamento, Flavia criou uma página no Facebook, uma rede social, para que seus amigos ficassem por perto e decidiu falar sobre quimioterapia e beleza – nome que deu à página. Postando atividades de sua rotina, dando dicas de beleza e de saúde, compartilhando fotos com o look do dia, dividindo com os seguidores o dia em que perdeu o cabelo, o primeiro lenço e a primeira peruca, Flavia Flores aproximou muito mais do que os amigos. Hoje, Quimioterapia e Beleza tem 111 mil seguidores – sendo a maioria pacientes que precisavam conversar, que precisavam se inspirar e, na adversidade vivida durante o tratamento, encontrar a felicidade.

Quimioterapia e Beleza é um canal de comunicação que tem como objetivo mostrar que é possível sentir-se bem e bonita durante o tratamento do câncer. “O meu médico é homem, ele estudou medicina e não sabe nada de estética. Ele cuidou da minha saúde e, sem ele, eu não teria sobrevivido. Mas, o Quimioterapia e Beleza é um complemento ao tratamento. E isso ajuda muito, pois – se a paciente ficar deprimida, por exemplo – comerá mal, a imunidade cairá podendo, até mesmo, suspender a quimioterapia. A possibilidade está em encontrar a felicidade nesta adversidade”, ressalta Flavia.

Além da página on-line, o Quimioterapia e Beleza também vai a clínicas e hospitais de todo o país fazer palestras motivadoras e oficinas para trabalhar a autoestima das pacientes.

Depois do lançamento da página na rede social, Flavia foi procurada por uma editora para lançar um livro sobre estética e oncologia. Lançado em 2013, o Quimioterapia e Beleza é vendido em mais de dez redes de livrarias no Brasil e, no exterior, como ebook pela loja virtual Amazon.

A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA E A RECONSTRUÇÃO MAMÁRIA

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Desde 1999, mulheres que se submeterem a tratamentos de câncer que gerem mutilação da mama têm direito a cirurgia plástica reconstrutiva. Todo o procedimento deve ser assistido pelo Sistema Único de Saúde (SUS), é o que a Lei 9.797/99 define:

Art. 1º As mulheres que sofrerem mutilação total ou parcial de mama, decorrente de utilização de técnica de tratamento de câncer, têm direito a cirurgia plástica reconstrutiva.

Art. 2º Cabe ao Sistema Único de Saúde – SUS, por meio de sua rede de unidades públicas ou conveniadas, prestar serviço de cirurgia plástica reconstrutiva de mama prevista no Art. 1º , utilizando-se de todos os meios e técnicas necessárias. (Vide Lei nº 13.770, de 2018)

A partir de 2018, com a Lei Nº 13.770/2018, passou a integrar o texto os três parágrafos abaixo:

§ 1º Quando existirem condições técnicas, a reconstrução da mama será efetuada no tempo cirúrgico da mutilação referida no caput deste artigo.

§ 2º No caso de impossibilidade de reconstrução imediata, a paciente será encaminhada para acompanhamento e terá garantida a realização da cirurgia imediatamente após alcançar as condições clínicas requeridas.

§ 3º Os procedimentos de simetrização da mama contralateral e de reconstrução do complexo aréolo-mamilar integram a cirurgia plástica reconstrutiva prevista no caput e no § 1º deste artigo.”

 

Fonte: Revista Medicina CFM ED. 4 JAN/ABR 2014 P. 48 / Com atualizações