Rede dos Conselhos de Medicina
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Artigos
Os paradoxos da medicina contemporânea
Sex, 19 de Julho de 2019 15:53

Wilson Luiz Sanvito e Zied Rasslan*

Os últimos 60 anos têm testemunhado profundas transformações em todas as esferas da atividade humana. Vivemos na era da impermanência, em que os avanços científico-tecnológicos, que se sucedem com espantosa rapidez, causam tal impacto nos fenômenos sociais que muitas vezes geram situações caóticas ou mesmo conflitantes no relacionamento humano. A euforia e o “oba-oba” diante dos progressos materiais prostram muitos diante das máquinas, em uma atitude fetichista de meros adoradores de ídolos materiais. A atenção dos indivíduos está voltada, sobretudo, para objetos, e não para o ser humano. A revolução dos meios de comunicação, por meio de sua principal arma, que é a manipulação, faz dos cidadãos comuns meros robôs.

Efetivamente, os meios de comunicação nos bombardeiam diariamente com os prodígios da medicina, criando uma nova mitologia: a da doença sob controle. A medicina contemporânea, balizada pelo complexo médico-industrial (indústria de equipamentos médicos/indústria farmacêutica) e ancorada na biologia molecular, vem avançando de modo acelerado em todos os campos. A tecnologia médica tornou o homem transparente mediante o estudo das imagens do seu interior e ainda permite ver o homem pelo avesso, por meio de procedimentos endoscópicos com microcâmeras. O que antigamente eram apenas técnicas diagnósticas vêm se tornando, cada vez mais, procedimentos terapêuticos (radiologia intervencionista, cirurgias laparoscópicas, colocação de próteses endovasculares etc.). Esse avanço exponencial provoca um frisson não só no meio médico, mas também na sociedade – e a “escatologia científica” passa a imperar.

Por outro lado, há um descompasso entre avanços médicos e assistência médica de qualidade. Existe uma brecha entre a “medicina científica” e as necessidades dos pacientes. Outro viés da medicina contemporânea é o modelo médico adotado pela “medicina oficial”. O modelo é biológico (ou biocêntrico), no qual o corpo humano é considerado máquina, que pode ser analisada em suas diferentes peças, e a doença é encarada como um mau funcionamento dos mecanismos biológicos. Em linhas gerais, esse modelo (priorizado nas escolas médicas) adota o seguinte figurino: 1) o doente como objeto; 2) o médico como mecânico; 3) a doença como avaria; 4) o hospital como oficina de consertos. Mas é preciso entender que o homem adoece de suas condições biológicas, psicológicas, sociais, culturais e ambientais. Esse modelo biológico, amparado na tecnologia, tornou a prática médica segmentada, com o superdimensionamento das áreas especializadas. A exaltação da explicação científica e os avanços técnicos acabaram determinando a atomização do conhecimento, cuja pulverização tornou o médico generalista inseguro e, muitas vezes, mero triador de casos para os especialistas. Por seu lado, o especialista só assume a responsabilidade sobre o “órgão doente” de sua área. É mais ou menos como se o paciente fosse o “seu estômago”, o “seu pulmão”, ou coisa que o valha. Assim, um médico leva a outro. A consulta com vários médicos acaba corrompendo a interação médico-paciente, configurando-se nesse caso “a trama do anonimato”. Regra de ouro: é preciso que o doente saiba o nome de seu médico, tanto no sistema público como nos serviços médicos conveniados. Deve ser a sua referência.

Há, enfim, uma deterioração crescente da medicina artesanal (anamnese/exame físico) e uma supervalorização dos exames complementares e de atos médicos técnicos. De sorte que o cenário hoje é de uma medicina de pareceres especializados e de natureza hospitalocêntrica. Esse modelo, além de elevar custos, é de baixa eficiência para um sistema de saúde abrangente. Vejam o que afirma o médico americano Alvan Feinstein: “A anamnese, o procedimento mais sofisticado de medicina, é uma técnica de investigação extraordinária; em pouquíssimas outras formas de pesquisa científica o objeto investigado fala”.

Por outro lado, é o doente quem deve estar no centro do sistema, e não a doença. Diz-se que o bom observador é aquele que enxerga a floresta, a árvore e a folha. A porta de entrada do sistema de saúde não deve ser o hospital (a não ser para emergências), e o médico generalista deve ser a referência para o primeiro atendimento. Infelizmente essa é uma espécie em extinção.

De qualquer modo, vivemos em uma era privilegiada, pois temos uma ciência que substitui um órgão doente por um sadio, manipula genes, nos proporciona esperanças de uma vacina contra o câncer e a aids, e nos acena com os primórdios de uma medicina regenerativa de tecidos com o manejo das células-tronco. Bisturi-robô, terapia gênica, implantes de próteses artificiais, procedimentos diagnósticos preditivos, fármacos inteligentes… para onde caminha a medicina? Certamente nos avanços caminha bem, mas um discurso triunfalista da medicina só se justifica quando essa excelência estiver ao alcance de toda a população.

Na área assistencial alguns até se questionam se não estamos caminhando rumo a uma antimedicina. Seria esse o caos de transição ao qual sucederia uma nova medicina do paciente? Sabe-se lá! Segundo as palavras deliciosamente irônicas de um falso provérbio chinês, “é extremamente difícil profetizar, principalmente em relação ao futuro”. Observa-se até mesmo brecha no relacionamento entre médico generalista e médico especialista. O corpo médico vai se tornando, na linguagem de Franck-Brentano, uma imensa torre de Babel em que cada especialista fala sua língua, mais ou menos hermética, a seus colegas. Para remediar essa “babelização” e proporcionar maior entrosamento entre médicos de várias áreas, seriam recomendáveis reuniões gerais nos hospitais, além de educação médica continuada para médicos generalistas.

A porta de entrada do sistema de saúde (Sistema Único de Saúde – SUS e convênios médicos) deveria ser aberta por médicos generalistas (clínicos, ginecologistas, pediatras e cirurgiões) bem formados. Eles deveriam ser uma espécie de curinga do sistema de saúde e, portanto, aptos a lidar com uma sinusite, cefaleia primária, micose superficial ou pneumonia comunitária, sem necessidade de encaminhamento para especialistas. Por outro lado, os avanços da medicina não são acompanhados pelo aumento da satisfação dos médicos. Eles são mal remunerados e precisam (para sobreviver) de vários empregos, onde as condições de trabalho nem sempre são adequadas. Além disso, o médico não forma vínculo com o paciente que é usuário de uma instituição ou de um convênio médico. Assim, a interação médico-paciente-família, que deve tranquilizar, aliviar a dor, o medo, o sofrimento e a apreensão, fica arruinada.

Que recurso tecnológico pode substituir esse aspecto humano da medicina? Os elementos contidos nessa interação não podem ser substituídos por nenhuma tecnologia médica, uma vez que são virtudes exclusivas dos seres humanos.

No Brasil, o sistema público de saúde (SUS) é de baixa eficiência em virtude de fraudes, desperdícios, modelo de gestão inadequado e vícios estruturais, como a concentração de atendimento em hospitais nos médios e grandes centros urbanos. O modelo hospitalocêntrico encarece o custo por paciente, porque quase todo atendimento acaba se tornando complexo; além disso, ele não é de boa qualidade. É preciso deslocar o eixo, priorizando a atenção primária em uma rede bem gerenciada. O setor público tem que adotar esse modelo, o qual, bem administrado, resolve mais de 80% dos problemas de saúde da população. Tem que incentivar a prática de medicina comunitária, atuar pesadamente na medicina preventiva (vacinações, saneamento básico etc.), mobilizar recursos financeiros e humanos para o controle das endemias. É preciso criar no sistema público de saúde a carreira do médico, com critérios pautados (para a sua ascensão) na produtividade e meritocracia, e não apenas no tempo de serviço. Urge remunerar melhor estes profissionais e acabar com os múltiplos vínculos, que os levam à exaustão e, consequentemente, à baixa qualidade de assistência ao paciente. O modelo vigente penaliza médicos e pacientes.

Lamentavelmente estamos assistindo a uma desumanização crescente da medicina. Muitas variáveis concorrem para que esse fenômeno ocorra: mercantilização da medicina, altos custos operacionais dos atos médicos em um país de recursos escassos, ausência de sistema público de saúde eficiente, subfinanciamento da saúde pública, falência das universidades na sua missão formadora de profissionais da área, baixa remuneração dos profissionais da saúde, além de condições de trabalho precárias.

Pensamos que, para mudar essa situação, um conjunto de medidas deve ser implementado nas áreas da saúde e educação. Sem uma revolução nessas áreas, não temos futuro como grande potência. É preciso fazer alguma coisa, pois como diz um provérbio chinês (este verdadeiro): “Uma caminhada de mil léguas começa com o primeiro passo”.

 

*Wilson Luiz Sanvito e Zied Rasslan são professores da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Contato: Este endereço de e-mail está protegido contra spambots. Você deve habilitar o JavaScript para visualizá-lo. .

Artigo publicado originalmente na Revista da Associação Médica Brasileira (http://ramb.amb.org.br/).

  

* As opiniões, comentários e abordagens incluidas nos artigos publicados nesta seção são de inteira responsabilidade de seus autores e não expressam, necessariamente, o entendimento do Conselho Federal de Medicina (CFM).

 

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A importância do Revalida para o Brasil
Sex, 12 de Julho de 2019 16:44
Carlos Vital Tavares Corrêa Lima*
 
A aprovação no Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos (Revalida) deve ser exigida de todos aqueles que se formaram em medicina em países estrangeiros e têm a pretensão de atuar de forma plena no Brasil. Entende-se que a superação dessa etapa reduz o risco de exposição de pacientes a profissionais sem a devida qualificação.
 
Isso ocorre porque se solicita dos candidatos documentos e a realização de provas práticas e teóricas configurem seus conhecimentos, habilidades e atitudes de modo justo, idôneo e trans-parente. Esse é o entendimento do Conselho Federal de Medicina (CFM), que é contrário a qualquer iniciativa que venha a flexibilizar os parâmetros de avaliação do Revalida.
 
Assim, projetos de lei em tramitação no Congresso ou discussões no âmbito do Poder Execu-tivo que pretendam imprimir menos rigor não são aceitáveis. Em lugar de mudanças, o melhor caminho é trabalhar pela votação em regime de urgência de texto do PL nº 4.067/2015, que atualmente está na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados, para apreciação de mérito.
 
Essa proposta, que já tramita há quatro anos, conta com o respaldo de todas as entidades médicas e condiz com os compromissos de campanha assumidos pelo presidente Jair Bolsonaro, os quais foram reafirmados em recente encontro com a diretoria do CFM no Palácio do Planalto.
 
A legitimação do Revalida por meio do Congresso nivelará o Brasil com países desenvolvi-dos, onde o acesso de médicos estrangeiros ao exercício da profissão acontece após um processo criterioso. No contexto atual, o exame brasileiro tem qualidade e caráter técnico nos moldes do que já existe e é utilizado, por exemplo, em nações como Estados Unidos, Canadá, Inglaterra, França e Itália.
 
Nos Estados Unidos, o candidato diplomado no exterior deve obter aprovação em várias fases do chamado United States Medical Licensing Examination (USMLE). Autoridades de licenciamento médico americanas também exigem que os candidatos sejam certificados pelo Educational Commission for Foreign Medical Graduates (ECFMG), entre outros requisitos, para obter uma licença irrestrita para praticar a medicina no País.
 
Por sua vez, no Canadá, o candidato deve passar em exames do conselho médico daquele País, como o Medical Council of Canada Qualifying Examination (MCCQE). Além disso, na província onde será exercida a atividade, o órgão regulador correspondente poderá exigir requi-sitos acadêmicos, profissionais e de proficiência linguística adicionais.Nos principais países da Europa não é diferente. Na França, há dois caminhos. Os candida-tos com especialização devem passar no Procédure d’Autorisation d’Exercice (PAE), somar mais três anos de funções hospitalares supervisionadas e passar em teste de língua francesa. Outra forma de acesso é ingressar no próprio sistema acadêmico francês, disputando uma vaga para o chamado Première Année Commune aux Études de Santé (PACES).
 
No Reino Unido, todo médico deve passar em prova no General Medical Council e no teste do Professional and Linguistic Assessments Board (PLAB). A partir de 2022, as exigências vão aumentar com a implementação de novos exames de avaliação profissional, linguística e das qualificações acadêmicas.
 
Diante desses relatos, fica evidente que o Revalida não é excessivo nem um entrave buro-crático. Afinal, a vida e a saúde da população devem ser protegidas, pois são bens de inestiável valor.
 
 
* Palavra do Presidente publicada na edição nº 291 do jornal Medicina.
 
 
Exames Laboratoriais: necessidade ou desperdício?
Sex, 28 de Junho de 2019 15:45

Wilson Shcolnik*

 

Para médicos, pacientes e seus familiares, um dos momentos mais delicados da assistência à saúde é o da definição diagnóstica. Um diagnóstico correto é o primeiro passo para se definir o tratamento apropriado. Bernard Lown, médico, professor emérito da Harvard School of Public Health e Prêmio Nobel da Paz em 1985, que desenvolveu o desfibrilador cardíaco, em 1999 afirmou que a história clínica, em 75% das consultas, fornece informações suficientes para o diagnóstico, mesmo antes da realização do exame físico e da solicitação de exames complementares.

Entretanto o relatório “Melhorando o Diagnóstico na Assistência à Saúde” (“Improving Diagnosis in Health Care”), publicado pelo Instituto de Medicina norte-americano em 2015, aponta que o erro diagnóstico ainda representa um aspecto crítico da assistência à saúde. Segundo essa publicação, adultos norte-americanos serão vítimas de, ao menos, um erro diagnóstico ao longo de sua vida, algumas vezes com consequências devastadoras, e 5% dos que buscam assistência ambulatorial experimentarão um erro diagnóstico, metade destes com possibilidade de danos.

Nos últimos anos o número de queixas por erros diagnósticos contra o sistema de saúde do Reino Unido cresceu 22%. É sabido que diagnósticos tardios de doenças aumentam o risco de disseminação e levam a complicações, tornando o tratamento mais difícil. Médicos que trabalham em condições de pressão podem perder preciosas informações durante a coleta de dados clínicos, mas hoje já podem dispor de modernos exames complementares que auxiliam na rápida definição de diagnósticos, prognósticos e até tratamentos.

Por isso deve ser saudada a recente publicação da primeira edição da lista de exames laboratoriais essenciais feita pela Organização Mundial da Saúde (OMS), na qual estão destacados os exames necessários para tratar de prioridades em saúde. A lista, que teve como base diretrizes fundamentadas em evidências científicas, contém exames que devem estar disponíveis em ambientes de assistência primária à saúde, hospitais e em laboratórios de referência no mundo todo, inclusive no Brasil.

Os gastos com exames laboratoriais representam apenas 1,4%, na Alemanha, e 2,3%, nos Estados Unidos, dos gastos totais do sistema de saúde, e estima-se que o laboratório clínico contribua com cerca de 70% das informações utilizadas pelos médicos em suas decisões. Uma meta-análise realizada ao longo de 15 anos revelou maior prevalência de subutilização (44,8%) do que de superutilização (20%) de exames laboratoriais. Mais que se preocupar com seu volume, portanto, deve-se avaliar o valor e os benefícios trazidos pelos exames laboratoriais.

No momento atual, em que diferentes exames laboratoriais já são oferecidos livremente em várias redes de farmácias brasileiras, sem a devida regulação, cabe considerar o alerta da OMS em relação à realização de exames: “isoladamente eles não trarão os impactos desejados, sendo necessário que o laboratório clínico que os realiza seja dotado de infraestrutura suficiente, mostre-se integrado, conectado, tenha recursos humanos treinados e capacitados e sistemas de garantia de qualidade implantados”. No Brasil, o programa de acreditação de laboratórios clínicos (PALC), lançado pela Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial em 1998 e já reconhecido pela Agência Nacional de Saúde (ANS), há anos avalia a qualidade dos laboratórios clínicos brasileiros, contribuindo para assegurar a confiabilidade dos seus resultados e a segurança dos pacientes.

A OMS pretende atualizar a lista anualmente, e a próxima edição incluirá exames relacionados a resistência microbiana, surtos/emergências, doenças emergentes, negligenciadas e sepse. Nas palavras do dr. Tedros Ghebreyesus, diretor da OMS, “ninguém deve sofrer ou morrer por causa da falta de serviços diagnósticos ou por não ter acesso aos exames mais indicados”.

 

*Presidente da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial.

  

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O despertar da beleza esquecida
Sex, 28 de Junho de 2019 15:36

Julião Guerra*

 

Em uma manhã, enquanto atendia em um ambulatório do setor público, percebi que uma paciente, acompanhada de sua filha, observava atentamente o meu trabalho. Ela sorriu e disse: “Eu acho muito bonito um médico trabalhando”. Eu ponderei então que às vezes a força corrosiva da rotina, com suas dificuldades, limitações e o cansaço decorrente das jornadas de trabalho extenuantes, nos torna tão entorpecidos e insensíveis que podemos até mesmo perder a capacidade fundamental, elementar e indispensável de perceber e admirar a beleza daquilo que fazemos em nossas atividades cotidianas.

Ser o portador de um conhecimento que pode curar, aliviar o sofrimento ou, pelo menos, consolar confere uma dimensão singular ao fazer técnico e profissional da medicina. No ato médico deve-se buscar, entre outras coisas, a dimensão estética, a beleza do trabalho executado com a maior perfeição e exatidão possíveis, dentro das condições objetivas nas quais o profissional atua. Uma anamnese bem conduzida, que construa um caminho seguro para se chegar a um diagnóstico preciso, e uma prescrição enxuta, com o mínimo de medicação necessária para se alcançar objetivos terapêuticos bem definidos, são muito mais que realizações de conteúdo estritamente técnico: são atos revestidos de beleza.

Tudo isso sem nunca perder de vista o principal: ali se encontra uma pessoa em busca de ajuda, com toda a complexidade que caracteriza um ser humano, portador de um patrimônio comum a toda a humanidade e, ao mesmo tempo, de uma singularidade que o diferencia de todos os demais seres de sua espécie. É o significado profundo desse encontro que nunca deve ser esquecido pelo médico. Mesmo quando nosso trabalho tiver de ser desenvolvido em condições adversas ou precárias, ainda nos restará a beleza de fazer o melhor possível com os recursos que estão ao nosso alcance.

Na história da medicina não existe ato isolado. Não se deve perder de vista que cada ação transcende o meramente imediato e circunstancial e é parte integrante de um contexto maior. Cada médico representa todos os médicos. Cada médico é, de certa forma, todos os médicos, e cada ato médico se insere no conjunto maior da tradição da medicina que permeia o tempo e atravessa milênios de história. Ao mesmo tempo que pertencemos a uma tradição, também dela somos construtores, na medida em que, na experiência imediata de várias pessoas, somos nós os seus representantes visíveis e concretos. Daí decorre, para cada um de nós, uma responsabilidade que possui um caráter pessoal e intransferível, de tal maneira que tudo devemos fazer para ser dignos da tradição da qual fazemos parte.

As palavras daquela pessoa, naquela manhã, a respeito da beleza do trabalho do médico tiveram o efeito revelador de lembrar-me de uma verdade obscurecida e submersa na faina rotineira diária. Elas não apenas iluminaram poderosamente o meu trabalho naquele momento, mas também ecoam constantemente no meu dia a dia de médico, lembrando-me permanentemente daquilo que cada um de nós jamais deveria esquecer nem sequer por um segundo: a importância, a utilidade e a beleza de nosso trabalho, quando o desempenhamos com dedicação, compromisso e compreensão de sua profunda dimensão humanitária.


* Possui título de especialista em dermatologia pela Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD) e foi diretor da VI Gerência Regional de Saúde (VI Geres) da Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco.

  

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Contra as drogas, abstinência
Ter, 18 de Junho de 2019 14:45

Carlos Vital Tavares Corrêa Lima*

 

Redução de danos configura um conjunto de práticas com o objetivo de minimizar os problemas decorrentes do uso de drogas psicoativas por pessoas incapazes de abandonar o vício ou que não querem fazê-lo. As primeiras experiências de aplicação dessas práticas ocorreram na Inglaterra, nos anos 1920, com soldados que lutaram na Primeira Guerra Mundial, quando foram tratados com morfina e ficaram dependentes de opioides.

Diante desse quadro de vício como efeito deletério de uma guerra, na época, argumentou-se que era obrigação do Estado fornecer a substância aos pacientes para reduzir os riscos de uma interrupção brusca. Essa percepção aparece no Relatório Rolleston, um documento que traz as recomendações de uma comissão presidida pelo então ministro da Saúde do Reino Unido, Humphrey Rolleston, no qual se autorizava os médicos britânicos a prescrever ópio a dependentes em situação de risco.

Na década de 1980, a redução de danos voltou à tona quando a Junkiebond (união junkie), associação holandesa de usuários e ex-usuários de drogas, fez um alerta para a disseminação da hepatite B por conta do compartilhamento de seringas contaminadas. Diante dessa possibilidade, o governo holandês implantou um programa de troca de seringas em Amsterdã, em 1984. Conforme artigo publicado na Folha de S. Paulo sobre o tema, com o passar dos anos, a mesma abordagem passou a ser usada em situações envolvendo o HIV e a drogadição.

Contudo, trata-se de tema polêmico. Não há consenso na comunidade científica sobre a segurança e a eficácia de estratégias de prevenção e combate ao uso de entorpecentes que impliquem, por exemplo, na substituição de uma droga psicoativa por outra menos danosa. Até o momento, todos os sinais apontam a abstinência como a melhor abordagem para tratar esses usuários.

Nesse sentido, o Conselho Federal de Medicina (CFM) empenha seu apoio à nova política nacional sobre drogas, em vigor desde o começo de abril, a partir da publicação de decreto assinado pelo presidente Jair Bolsonaro. Ao contrário do que vinha sendo priorizado até o momento, é preciso criar condições para que a população que luta contra o vício das drogas encontre o apoio necessário para abandonar essa prática de vez.

Conforme tem sido relatado em diferentes oportunidades pela Secretaria de Cuidados e Prevenção às Drogas, vinculada ao Ministério da Cidadania, a redução de danos, enquanto política pública, apresentava resultados aquém dos esperados pela população brasileira. Assim, entende-se a oportunidade de assegurar ao País uma estratégia de enfrentamento desse problema com base em pressupostos como a abstinência, a recuperação e a sobriedade do indivíduo.

Isso inclui adotar medidas como a ampliação dos leitos de internação em psiquiatria, o aumento do apoio financeiro às comunidades terapêuticas, a realização de campanhas para desestimular o consumo de drogas e a adoção de planos eficazes para reprimir o narcotráfico. O CFM ajudou a construir o novo modelo de intervenção adotado pelo Governo, o qual foi discutido amplamente no Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (Conad).

Esse foi um trabalho de longo prazo, com foco na sensibilização técnica e ética dos membros do Conad, que resultou na elaboração do Decreto no 9.761/2019, que institui a nova Política Nacional Antidrogas. Para os médicos, o conjunto de medidas previstas na norma ajudará a fortalecer a rede de atenção psicossocial no Brasil, inclusive, valorizando e reconhecendo o papel da categoria nessas ações antidrogas.

Trata-se de um marco, que define a dependência química como uma condição que necessita de acompanhamento clínico e social digno. Após sucessivos fracassos, o Brasil está diante de uma possibilidade real de esperança para milhões de brasileiros e suas famílias, que têm na luta contra o vício às drogas um desafio diário.

 

* Palavra do Presidente publicada na edição nº 290 do jornal Medicina. Acesse aqui a publicação.

 
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